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Críticas

Cineplayers

Tragédia conjunta.

3,0
O cinema de Fatih Akin claramente retrocede. Do auge de sua juventude em Contra a Parede, há quase 15 anos e com o Urso de Ouro debaixo do braço, ele vem caminhando ou se arrastando festivais afora. Chegou a Cannes desse ano depois da péssima recepção do seu longa anterior em Veneza de dois anos atrás, The Cut, e na bagagem a informação extra de que seria o primeiro filme da estrela Diane Kruger onde ela falaria seu alemão original. A notícia ruim é que o filme vai pouco além desse "mérito", ou melhor, tudo deveria girar de fato em torno de Diane, que ganhou o prêmio de atriz na Croisette e carrega um filme covarde nas costas, que reduz discussões que Akin sempre buscou ampliar e nunca chega a ir além das emoções baratas e vazias de uma Tela Quente, só que sem o charme e a inteligência cênica que um Jaume Collet-Serra sempre carrega consigo. Ou seja, um filme que poderia ser muito sério e combativo, ou uma pipoca cheia de substância e bem feita, e não é nenhum dos dois.

O filme acompanha o drama de Katja, que perde marido e filho numa explosão da loja de seu cônjuge. Uma tragédia dilacerante, com certeza. Aí o filme lentamente aponta seu primeiro calcanhar de Aquiles: o marido de Katja tinha aparência muçulmana e tinha sido condenado anos antes por tráfico de drogas, mas já recuperado quando a explosão o vitimou. De posse dessas informações, o filme poderia dar um baile de conotações políticas e principalmente ambiguidade narrativa, mas não demora nada para tachar a identidade e motivações de seus autores, tirando qualquer impacto da situação mostrada em cena. E o filme embarca num julgamento absolutamente monocórdio, igualmente sem nuances e repleto de histeria real por parte de advogados estereotipados (o responsável pela defesa dos criminosos inclusive conta com uma indefectível ferida constante na testa!). O cheiro de desastre só faz aumentar.

Embarcando em situações sem qualquer ambiguidade, soluções fáceis e de caráter chapado, o filme joga fora as possibilidades de criar algo tridimensional para centrar fogo numa situação antiquada e nada sutil. Diferente de cineastas que hoje em dia privilegiam o gênero e abusam de códigos para reinterpreta-los com elegância e nova roupagem, Akin não escolhe uma atitude menos mecânica para abordar os atos de seu filme, ou melhor, ele faz o exato oposto disso. Arrastando o filme para a situação mais óbvia e pobre possível, a burocracia invade a tela e tudo que podemos perceber descendo pelo ralo é o prévio talento que esse diretor já ostensivamente apresentou, agora cada vez mais retido em produtos rasos e rasteiros. Desprovido de qualquer segunda camada e jogando fora qualquer uma diferenciada que possa aparecer, nem imageticamente o filme tem algum diferencial.

Sobra então quase que exclusivamente o trabalho portentoso de Diane Kruger. Contando com um elenco coadjuvante correto mas nada além disso (até porque o filme não dá algum material para que se vá além disso), Kruger está em muitos momentos sozinha em cena, e essas cenas na primeira metade do longa a elevam muito, assim como as cenas extremamente dramáticas que colocariam uma atriz num típico produto falado em inglês de cara para o careca dourado. Mas o prêmio em Cannes dará um novo rumo à sua carreira com certeza, ainda que sua interpretação não tenha nada de muito original ou diferenciado; uma mulher vítima de uma tragédia absurda, dá pra imaginar o todo e ela não vai além do que exatamente se espera. Mas ao menos ela vai a algum lugar, mesmo que no terço final ela praticamente só esteja em cena e nada mais. Isso é o que Fatih Akin parece fazer no longa inteiro, estar ali e comandar o set. Ah, e também podar as possibilidades para que ele crescesse dramaticamente.

Visto no Festival do Rio 2017

Comentários (3)

Caio Lucas | quarta-feira, 16 de Maio de 2018 - 21:22

O filme é ruim, mas vejo algo de substancial e numa "segunda camada" sim, que é o nascer da maldade, no confronto com outra maldade. O senso de justiça fraturado, bem positivo à trama. Percebo no começo uma câmera na mão que tenta valorizar o quadro, meio sem sucesso (mas pelo menos tenta), e então segue preguiçoso e arrastado como foi dito, na abordagem do drama/sentimentos também... Vi outros filmes deste diretor há algum tempo e parece realmente perdido aqui. O que foi sugerido na crítica, no entanto, é bobagem, nada há de covarde num filme querer contar uma história simples (vingança) em detrimento dessa pretensa "ambiguidade" - o que complica são aquelas estatísticas ao final.

Caio Lucas | quinta-feira, 17 de Maio de 2018 - 08:49

A tatuagem de samurai na Diane, "o que o marido faria no meu lugar", é um simbolismo e uma consequência, situações em que o filme busca alguma imersão, mas não sai da superfície... Não tem jeito, fracassou! Impressão que dá é que as pessoas se deixam levar pelo tema em torno, em voga, e simplesmente esquecem de pensar o filme.

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