Lidando com a sutileza dos julgamentos humanos, esta história deixa com os espectadores a questão da culpa ou da absolvição.
Mesmo sem grande conhecimento de causa não parece arriscado apostar que o diretor John Patrick Shanley se interesse por histórias cujas situações nos coloquem em cima da linha entre o certo e o errado. Depois de roteirizar o filme Vivos, sobre a queda de um avião na Cordilheira dos Andes e as implicações morais sobre a fome e a sobrevivência, Shanley traz agora para o cinema a adaptação de texto teatral de sua autoria.
A ação de Dúvida ocorre dentro do cotidiano de uma escola católica no Bronx, subúrbio de Nova Iorque, na década de 1960. Como não poderia deixar de ser já que estamos falando de uma das décadas mais progressistas da história contemporânea, o embate que acontece dentro da escola diz respeito à chegada de um padre que prega um discurso mais liberal e da resistência de uma freira que se apega aos dogmas com a intenção de proteger o rebanho de crianças das vicissitudes ‘modernas’.
Padre Flynn (Philip Seymour Hoffman), mesmo mantendo-se fiel aos princípios católicos, usa seus sermões para falar de maneira clara com os as pessoas de sua paróquia e dessa maneira tenta aproximar-se de todos através de um comportamento solidário e simpático, deixando assim a mostra seu lado humano. Já a Irmã Aloysius mantém-se rígida na tarefa de vigiar e punir os estudantes por qualquer desleixo ou modos desrespeitosos e já em sua primeira cena isso fica bastante óbvio. Nesta cena, inclusive, não apenas a natureza da Irmã vem à tona como o início de sua suspeita sobre o comportamento pouco ortodoxo de Padre Flynn. E antes de passar ao próximo tópico, fica aqui uma dica a respeito da primeira aparição de Merryl Streep no filme: atentem para a maneira como ela demonstra sua desconfiança apenas com um movimento dos lábios e pense se você já não viu a senhora Streep repeti-lo em outro de seus muitos filmes.
A partir daí, Patrick Shanley trabalha as cenas de maneira a ir solidificando aos poucos o caráter dos dois personagens, assim como aumentando o grau da dúvida que se abate sobre o Padre. Na corrida por estar ciente de qualquer deslize de seu inimigo, tudo é motivo para que a Irmã Aloysius vá acumulando certezas a respeito dele: até mesmo a quantidade de açúcar que com a qual ele adoça seu chá é tido como falho ou amoral. No meio deste embate surge a inocente Irmã James (Amy Adams). Encarregada da turma em que estuda o único aluno negro da escola - e justamente aquele que será o pivô das discussões sobre o caráter de Padre Flynn - a freira que aparenta ser a mais jovem da escola se verá perdida entre os conselhos e suspeitas de Irmã Aloysius e da simpatia e graciosidade do Padre.
Entrando agora nos méritos sobre as atuações, sem dúvida o elenco do filme se mostra competente, e Amy Adams se destaca de maneira sutil interpretando a perturbada e confusa freira que é justamente o personagem que carrega a pureza e a aprendizagem no conflito entre duas personalidades já solidificadas, recebendo por isso uma indicação muito merecida ao Oscar. Seymour Hoffman mantém a regularidade de suas boas interpretações, emprestando humanidade e simpatia ao padre que mais parece querer ser amigo de todos e estabelecer uma relação mais aberta com a comunidade, enquanto Merryl Streep segue a mesma linha de suas interpretações em filmes sérios sem, no entanto, desconstruir a impressão de atriz-máquina, aquela que sabe o momento certo para mexer os lábios, chorar ou aumentar o tom da voz. É a típica interpretação elogiada pela Academia.
Como resultado geral, Dúvida se mostra um trabalho competente e aplicado e traz para o cinema uma discussão interessante sobre os erros cometidos em nome do dogmatismo e da falta de diálogo. Deixando ao espectador o papel de julgar o que realmente aconteceu entre o Padre e o garoto, abre espaço para uma discussão que se estende para depois do filme e põe uma pulga atrás da orelha de cada um.
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