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Duas Garotas Românticas

(Demoiselles de Rochefort, Les, 1967)
8,5
Média
123 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Amor multicolorido.

9,0

Delphine (Catherine Deneuve) e Solange (Françoise Dorléac) são irmãs gêmeas: uma loura, outra ruiva. Igualmente belas, as duas se inclinam fortemente para o amor e fazem jus ao título Duas Garotas Românticas (Les Demoiselles de Rochefort, 1967). Dirigido por Jacques Demy, o musical é assinalado pelo exagero, sobretudo no que se refere às cores, sempre saturadas. Cada tonalidade empapuça os olhos de um público apresentado ao cotidiano das jovens, cujas profissões são justamente ligadas à música. Enquanto Delphine é professora de dança, Solange ensina piano e também é exímia instrumentista, detalhes que servem de ensejo perfeito para deliciosas canções que falam de amor. As personagens, inclusive, aparecem pela primeira vez entoando uma música que revela boa parte de suas características, composta de rimas doces e acompanhada de coreografias muito charmosas.

Esses minutos iniciais servem de aperitivo para uma trama em que o amor reina soberano. Em cada diálogo, o anseio das irmãs por viver a experiência única que o sentimento traz fica nítido, mas não é exclusividade delas. Cada pessoa que surge no filme vivencia uma etapa do amor e lida com ele à sua maneira, promovendo a identificação e revelando perspectivas diferenciadas para o mais tradicional dos vínculos. Entre elas, está a adorável Yvonne (Danielle Darrieux), mãe das jovens e dona de um simpático bar perto da praia. Há muitos anos, ela viveu um intenso romance com um homem, mas acabou deixando-o subitamente, sem muitas explicações. Sua atitude deixou uma profunda lacuna em seu coração e tudo o que ela deseja é reencontrar o amor do passado a fim de dar continuidade ao que se ficou suspenso no tempo.

A poucos metros dali, encontram-se Simon Dame (Michel Piccoli) e seu coração partido, que assim se encontra justamente por causa do abandono de Yvonne. Ambos não fazem ideia do quanto estão próximos, mas o destino escrito pelo próprio Demy se encarrega de produzir os encontros necessários entre os personagens e fazê-los (re)viver suas paixões com toda a intensidade. Também sobra espaço para o sorridente Andy (Gene Kelly), grande amigo de Simon que está de passagem pela França e cai de amores por certa jovem ruiva que conhece por acaso passeando pela rua. Desde então, só pensa em uma oportunidade de revê-la, e confessa seu entusiasmo ao companheiro, que o entende perfeitamente porque experimenta uma situação muito semelhante. E, como se não bastasse todos esses apaixonados, ainda surge em cena um marinheiro para quem amar é assunto muito sério. Sua busca pela garota ideal é expressa em canções que misturam encantamento e melancolia, na medida em que, quanto mais procura, mais distante parece a tal mulher ideal.

Duas Garotas Românticas é um filme que não tem a menor vergonha de sua essência. A cada nova cena, Demy reafirma seu talento como diretor e roteirista para assinar uma história que, apesar de elementos que hoje podem-se considerar datados, não perdeu nem o seu brilho nem a sua capacidade de cativar. Se fosse comparado a uma pessoa, o longa-metragem ambientado em Rochefort seria como alguém que declara o amor que sente com todas as letras, sem a menor preocupação com a possibilidade de ser ou parecer ridículo. Mesmo porque, os amantes vivem em estado de graça e não dão importância a esses detalhes.

Delphine e Solange são exatamente assim: incorrigivelmente apaixonadas pela vida e pelo amor. Mesmo antes de encontrarem os destinatários exatos para o sentimento que transborda em seu peito, elas já se mostram envolvidas pela possibilidade de encontrá-los e amam por antecipação, o que também faz o espectador de suas trajetórias se apaixonar pelas irmãs. Ambas são defendidas em sua plenitude por Deneuve e Dorléac, arrebatadoras tanto no falar, quanto no cantar e dançar – apesar de Darrieux ser a única que verdadeiramente solta a voz na história. Aliás, elas não foram a primeira escolha de Demy: o diretor havia pensado inicialmente em Brigitte Bardot e Audrey Hepburn para os papéis. Àquela altura, esta já havia seduzido o mundo em Bonequinha de Luxo (Breakfast on Tiffany’s, 1964) e aquela já tinha sido preterida o bastante em O Desprezo (Le Mépris, 1963). Poderiam ter se saído bem na pele das gêmeas, mas, ao ver a dupla escolhida em ação, parece impossível não crer que as personagens não foram escritas para elas.

Kelly, por sua vez, arrisca-se interpretando em língua francesa, e dá conta do desafio com muito talento na voz e no olhar. Sua experiência e fama alcançadas em musicais como Sinfonia de Paris (An American in Paris, 1951) e Cantando na Chuva (Singing in the Rain, 1952), certamente, foram decisivas para sua escalação e, assim como os demais personagens, é fácil se colocar no lugar de seu Andy, irremediavelmente entregue ao sentimento por Solange, um típico caso de amor à primeira vista. O largo sorriso que ele ostenta mesmo ao falar sobre sua agonia de querer também responde pela forte empatia despertada pelo personagem. Ao contrário das protagonistas, o ator sempre foi desejado por Demy para estar no filme, o que só foi possível após uma espera de dois anos, período no qual Kelly deu conta de vários compromissos. Valeu a pena ter insistido para tê-lo no elenco, acerto constatado diante do carisma que ele exala.

E o que dizer da fotografia assinada por Ghislain Cloquet? Exímio em sua arte, ele clica ambientes, expressões faciais e movimentos em total sincronia, respondendo diretamente pelo espetáculo visual que invade as retinas expostas ao filme. Preste atenção ao contraste das cores milimetricamente pensado entre as irmãs, cujas roupas, ações e acessórios dialogam o tempo todo e o fotógrafo sublinha com suas lentes. A prioridade é sempre dos tons vivazes e arrebatadores, que vão ao encontro das suaves melodias que saem dos seus lábios e produzem fascínio do outro lado da tela. Assim como Os Guarda-Chuvas do Amor (Les Parapluies de Cherbourg, 1964), Duas Garotas Românticas é um passeio multicolorido por um sentimento que serve de combustível para muitos, enaltecido e tomado sobretudo em sua porção maravilhosa. O status de cult, conquistado após alguns anos, é mais do que merecido.

Comentários (4)

Thiago Lopez | segunda-feira, 12 de Agosto de 2013 - 22:33

Confesso que musicais não são a minha praia favorita, com raras exceções à exemplo de Cantando na Chuva e Mágico de Oz. Mas admito que o texto (novamente bem escrito, parabéns!) e as notas da equipe me instigaram a assistir este filme. Vou procurá-lo.

Patrick Corrêa | terça-feira, 13 de Agosto de 2013 - 10:42

Agradeço pela leitura, Thiago.
De fato, o filme merece ser visto e eu espero que seja uma surpresa agradável pra você. 😉

Bruno Kühl | terça-feira, 13 de Agosto de 2013 - 21:20

Lindo texto pra um lindo filme, incrível como as obras de Demy continuam tão vivas e falando tão intimamente sobre esse sentimento tão contraditório que é o amor. Foi uma bela despedida, Patrick... :)

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