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Críticas

Cineplayers

Um filme que mistura bem as cores, personagens e seus sofrimentos. Takeshi Kitano é o grande nome do atual cinema japonês.

8,5

Takeshi Kitano é, sem dúvidas, um dos maiores nomes do cinema japonês atual. Diretor do excelente e inaudito Zatoichi, que saiu dos cinemas brasileiros há pouco tempo, Kitano também foi responsável por Hana-bi - Fogos de Artifício, Brother, Tabu e vários outros filmes. Sua filmografia é extensa, e inclui desde modestas aparições até direção e roteiro, como foi o caso de Dolls, lançado em 2002 e recentemente distribuído em DVD no Brasil, pela California Filmes.

Embora adepto de um estilo mais moderno, algo que gire em torno de gangues e violência, Kitano deixa sua marca inconfundível em Dolls, ao abusar de seu estilo fotográfico e do modo como mescla cenas diversas numa tomada só. Não apenas isso, mas há também o modo como todo o enredo é conduzido, com alternância de narração psicológica e cronológica e um profissionalíssimo trabalho de edição.

O filme conta três histórias de drama e romance, iniciando com uma apresentação de fantoches bunraku, que servirá de suporte à história central. Nela, Matsumo (Hidetoshi Nishijima) e Sawako (Miho Kanno) pretendem se casar. Entretanto, Matsumoto recebe uma proposta para casar-se com a filha do presidente de sua empresa, o que a seu ver é muito mais vantajoso. Sem escrúpulos, ele larga a namorada, que, ao saber da decisão, tenta o suicídio. A tentativa é frustrada, e ela acaba por perder a memória. Ao saber disso, Matsumoto larga o casamento e passa a acompanhar a ex-namorada, para que ela não fuja e sofra algum acidente, uma vez que está absolutamente indefesa e alheia ao mundo. Ele amarra uma corda à sua cintura e à cintura dela, de modo que possa controlá-la. A partir daí, passam a andar pela cidade, sem rumo e sem qualquer perspectiva de felicidade.

Duas outras histórias entrelaçam-se com a primeira: uma sobre Haruna Yamaguchi, pop star interpretada por Kyoko Fukada (também presente em Ringu 2) e seu trágico acidente, que deforma seu rosto e a afasta dos fãs, exceto por um, apaixonado por ela; e outra sobre Hiro (Tatsuya Mihachi), chefe da máfia, que se reencontra com a namorada após tê-la deixado muito tempo atrás.

O grande destaque das atuações fica por conta de Miho Kanno. Suas falas são pouquíssimas, mas, mesmo assim, ela transmite ao espectador o vazio e a angústia que a cercam e a fazem tão dependente do ex-namorado. Ele, por sua vez, tem uma atuação pior, mas que tende a melhorar com o decorrer do enredo. Lá pelos últimos momentos do filme o espectador está completamente identificado e absorto pela atuação de ambos. Embora os outros atores sigam uma linha mediana de interpretação, uma vez que seu espaço na película é reduzido e partilhado com os outros, seus sofrimentos, suas tristezas e suas desilusões são perfeitamente visíveis e conseguem emocionar.

Dolls chama a atenção por apresentar um formato diferente do usual, graças ao seu impecável trabalho de edição. A primeira parte do filme apresenta uma narração claramente psicológica, sustentada por flashbacks muito bem encaixados. Depois, a narração é predominantemente cronológica, mas o trabalho de edição permanece formidável.

Usando as câmeras de modo inteligente, Dolls captura e transmite ao espectador uma poesia visual que reúne cores e formas, sem transgredir a harmonia, numa fotografia invejável. A música de Joe Hisashi (que também compôs a trilha de A Viagem de Chihiro) serve de sustentáculo aos elementos da paisagem, dando rumo e sentido ao espetáculo visual que transborda pelas câmeras. O vasto leque de cores, o figurino minucioso e os cenários belos e grandiosos impõem à película sua magnitude e seu tom dramático, em cenas que, muitas vezes, não passam de metáforas visuais.

Com um enredo sem pressa, mas que exige atenção, Dolls deixa o espectador pensando até mesmo depois do rolar dos créditos. Os diálogos, poucos, desenvolvem a história de maneira admirável, e o silêncio perturbador e muito expressivo que ronda as personagens centrais é suficiente para emocionar e fazer refletir. O conjunto da obra demonstra por que Takeshi Kitano é o grande nome do atual cinema japonês - e, claro, a fotografia estonteante é um convite à reprise.

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