7,5
Na saída da cabine do filme novo de Pedro Amorim, o comentário da crítica era o mesmo e generalizado: nem sempre se pode odiar uma comédia nacional. Desde que as chamadas "neo-chanchadas" ocuparam os primeiros lugares das bilheterias dos últimos anos, ficou comum atribuir esses sucessos a falta de qualidade. Não há preconceito da crítica: se o público se identifica com o viés popular e descompromissado dos filmes de Leandro Hassum e Ingrid Guimarães, a crítica não consegue se vender por filmes de roteiro repetitivo, sem timing e apelativos, além de direção insípida e sem qualquer requinte. A verdade é que a maioria dos filmes produzidos para consumo em larga escala do gênero no Brasil são parte de um esquema de linha de montagem, sem muitas ousadias de qualquer tipo. De vez em quando uma coisa outra salta aos olhos, como Loucas pra Casar, ou o apelo familiar que a Dona Hermínia de Paulo Gustavo planta no público. Mas acho que Divórcio vai além de uma pitada a mais.
Pedro Amorim não tem um saque solitário aqui não. Há alguns anos ele tinha conseguido um hit, Mato sem Cachorro, com Bruno Gagliasso e Leandra Leal. Não queria inventar a roda (assim como não o quer hoje), e entregou uma comédia romântica acima da média. Aqui, Amorim avança algumas casas na brincadeira. Mais uma vez, não há nada de escalafobético sendo contado: Julio e Noeli se casaram em 97, após Julio roubar sua amada de um casamento arranjado no interior. Anos de felicidade depois, encontramos Julio e Noeli como milionários criadores de uma marca de extrato de tomates, mas com a relação desgastada. Ambos não se suportam, e quando o marido a esquece por uma madrugada inteira num temporal ao lado de uma onça no meio de uma plantação, Noeli pede o divórcio do título. Obviamente que a partir daí o filme ganhará desdobramentos inacreditáveis, com um tentando sabotar o outro até não haver mais motivo para qualquer briga, só mágoa e ressentimento.
Já na abertura do filme vem a consciência de que o filme não é 'mais um', numa sequência de ação com excelentes montagem e fotografia. Não, não se trata de um refinamento imagético que remeta Jacques Tati, mas o filme é um produto diferenciado dentro da seara atual... e talvez até fora dela. Bem iluminado e dono de um figurino marcante e adequado, que fazem leituras muito acertadas de cada personagem e seu universo, tecnicamente é um filme que, num lugar comum, não precisaria de tanta dedicação para ser bem sucedido. Mas com um trabalho tão dedicado com o som e a trilha sonora, Divórcio sabe que está entregando um produto caprichado para o público se shopping, que merece algo desse nivel para se divertir. E taí, sobra espaço para diversão verdadeira no filme, que vai evoluindo e ficando cada vez mais engraçado e envolvente, numa espiral de insanidade e timing de humor, cujo esforço é de Amorim, da montagem de Danilo Lemos (que eu não estranho ter no currículo a edição do igualmente ótimo 'La Vingança') e do incrível elenco a disposição do filme.
É bem óbvio falar que os protagonistas de um filme são os donos dele; pois é, Murilo Benicio e Camila Morgado tiveram a árdua tarefa de superar o trabalho que o trailer deixava no ar, algo caricato e superficial. Pois isso não apenas é posto de lado, como há uma crítica super honesta a um lado completamente ridículo de novos ricos do interior do país, que é exposto, chafurdado e sai de lá humano, em ambos os retratos. Camila é uma Noeli que adquire humanidade a cada nova reviravolta matrimonial, e se transforma numa pessoa de carne e osso ao final; Murilo é um boneco, constrói um tipo, como ele sabe sempre fazer tão bem. Mas também Julio vai ultrapassar sua horrenda risada para ser o homem que Noeli julga perdido. Entre os coadjuvantes, brilham praticamente todos, especialmente Luciana Paes e Thelmo Fernandes. Mas o filme tem uma revelação, que também explodiu no teatro esse ano (na incrível adaptação nacional para Tom na Fazenda), o rapaz chama Gustavo Vaz. Um talento nato e brilhante, daqueles casos onde vemos por trás da comédia a construção detalhada de uma pessoa de verdade, e Vaz transcendeu qualquer arquétipo.
Como já dito, o filme não tenta inventar a roda, mas tem a consciência de um trabalho muito bem feito e de ter um grupo que trabalha em conjunto para ir além do lugar raso onde é jogada a comédia no Brasil, um produto tão consumido e com frequência tão mal tratado. Era de se esperar um cuidado maior com um gênero que rende tantos dividendos por aqui, mas casos como o de Divórcio são raros. Com certeza eu já tinha o feito na época de sua estreia em longas, mas um segundo gol seguido é para festejar. Que esse segundo seja ainda mais caprichado então... é só olhar para além do lugar comum e perceber o quanto Amorim tem de tempo de comédia, os enquadramentos certeiros, as entrelinhas que ele cria imageticamente (o filme tentar "esconder" Noeli toda vez que Julio fica mais machista é um sintoma de atenção a um signo bem básico, mas resolvido de forma bastante criativa), e belas cenas que são conseguidas ao longo da projeção - a da perseguição de carro de Noeli que termina em tragicomédia, como é bem filmada. Uma entre tantas desse jovem e capaz diretor.
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