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Diamantino

(Diamantino, 2018)
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Metralhadora giratória

7,5

Desde os créditos iniciais, Diamantino já escancara a chave debochada com que irá trabalhar ao longo da narrativa: “Toda a história, todos os nomes, personagens e acontecimentos retratados neste filme são fictícios, nenhuma identificação com pessoas reais (vivas ou mortas), lugares, produtos, procedimentos genéticos ou cachorrinhos gigantes é intencional ou deve ser inferida. Nenhum animal foi maltratado durante a produção desse filme.”

Bem, o que seriam os cachorrinhos gigantes citados? Logo fica claro que os tais animais de tamanho desproporcional são uma imagem de conforto para o craque do futebol Diamantino. Um sujeito que é tão bom com a bola nos pés como aparvalhado em qualquer situação social. A personalidade do jogador lembra a de Garrincha e a falta de discernimento do mundo à sua volta. Garrincha era tão obtuso em qualquer situação fora do campo de jogo que tinha dificuldades até de entender o seu tamanho como craque de bola. O poeta Carlos Drummond de Andrade destacou as dificuldades do jogador em crônica ao jornal do Brasil dois dias após a morte do eterno camisa sete do Botafogo: “Se há um Deus que regula o futebol, esse Deus é sobretudo irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios. Mas como é também um Deus cruel, tirou do estonteante Garrincha a faculdade de perceber sua condição de agente divino. Foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas.”

Diamantino é um craque deslumbrante que não tem noção de sua grandeza. Essa dimensão fica clara quando outras pessoas destacam o seu tamanho desde o começo do filme. Seu pai o compara a Michelangelo, e seu trabalho ao do artista na Capela Sistina. Já o narrador da partida da final da Copa do Mundo de 2018 entre Portugal e Suécia afirma: “um Zeus dos gramados”, “um rei” - e é necessário deixar claro que uma final de Copa do Mundo entre Portugal x Suécia é um acinte contra o bom senso; se Portugal na final faz sentido por questões narrativas, inserir a Suécia como a outra finalista revela o humor tresloucado do filme.

No entanto, cabe destacar que Garrincha não é o modelo de composição para a criação do protagonista. Esse posto fica a cargo do principal jogador português de sua geração e, provavelmente, de todos os tempos, Cristiano Ronaldo. O ator Carloto Cotta já lembra muito fisicamente o atleta da Juventus e, mais do que isso, Diamantino leva a vida como os atuais boleiros absurdamente endinheirados que gastam sua fortuna sem parcimônia e, em geral, têm pessoas específicas ao seu lado para ajudá-los a administrar a riqueza que se compara a P.I.Bs de países economicamente fragéis. De alguma forma, esses jogadores são tão aparvalhados como Diamantino, que parece não ter noção do tamanho de sua popularidade em todo o mundo e, de que suas ações, seriam manifestos de reais mudanças no planeta. O número da camisa que Diamantino usa no campo de jogo “00” mais parece falar sobre a nulidade de sua figura fora das quatro linhas: apenas um sujeito sem qualquer noção real do que acontece ao seu redor.

A escolha por retratar um sujeito muito próximo de Cristiano Ronaldo também se justifica pela necessidade de valorizar um país grandioso aos olhos do mundo. Afinal, Portugal é um pequeno território em que vivem pouco mais de dez milhões de habitantes e é, na Europa, um tanto excluído geograficamente, fazendo fronteira apenas com a Espanha. Não por acaso, o momento de maior ascensão econômica se deu durante a expansão marítima, entre os séculos XIV e XV, durante a qual o país aproveitou de sua localização geográfica para se lançar nos oceanos e encontrar terras desconhecidas pelos europeus, apesar de já estarem habitadas por outros povos. Contudo, a partir do momento de auge do capitalismo fabril, Portugal perdeu sua grandeza como potência econômica perante a Europa e nunca mais a retomou.

Diferentemente de Colo e A Fábrica de Nada, Diamantino explora uma narrativa de maiores proporções, não se prende aos acontecimentos de um núcleo familiar ou de uma fábrica. Também, é um filme de humor muito afetado, diferentemente dos outros citados. As piadas se constituem em uma série de situações estapafúrdias que se misturam com outros momentos absolutamente críveis e que quebram a expectativa a todo momento, além de criar uma dúvida acerca de como será possível amarrar todas as ideias que o roteiro levanta. Basicamente, há três situações-chave que aparecem independentes, mas que se amarram até o fim da projeção.

  1. Uma organização secreta que atua na clandestinidade com clonagem de seres humanos;
  2. O serviço secreto lusitano ligado ao poder institucional que acompanha de perto os passos de Diamantino;
  3. A condição dos refugiados que passaram a aportar em mares europeus e despertam uma fagulha de consciência social no jogador.

A tentativa de resumir mais a história do filme seria impraticável. Tudo cabe na metralhadora giratória dos diretores Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt: dos filmes de ficção científica aos contos de fada, dos melodramas aos épicos históricos, vários clichês são satirizados e não sobra pedra sobre pedra em Diamantino. Toda essa miscelânea tem um alvo claro: a ascensão de um discurso conservador na Europa pós crise econômica de 2008. Esse alvo fica evidente quando os desejos da organização secreta se revelam. As intenções do grupo são de clonar Diamantino para produzir uma seleção de futebol perfeita que irá seduzir a população portuguesa para as ideias conservadoras que permeiam o grupo e terá o jogador como principal garoto propaganda. As principais propostas da organização são de sair da união européia e construir uma grande muralha para limitar a entrada dos estrangeiros e assim fundar um país com orgulho de ser xenófobo, como eles próprios dizem. Mesmo os slogans que estão na van do grupo afirmam: “Portugal nunca foi pequeno” e “Vote sim à saída da União Europeia” apontando para os valores chauvinistas da corporação.

E, claro, estão no filme porque são valores acalentados por parte da sociedade. E, aqui, aparecem com particular deboche. Primeiro: por conta de comentários completamente estúpidos dos líderes da organização ou do partido conservador de Portugal, órgãos que mantém ligações como se os partidos de ordem conservadora sempre tivessem de construir ações por debaixo dos panos para que suas ideias possam ser valorizadas e uma postura de corretismo parecer adequada. Segundo: por conta do filme publicitário realizado pela organização secreta. Diamantino é contratado para protagonizar, mesmo que não tenha muita noção do que está fazendo. Como um bom jogador dos novos tempos, faz tudo o que os seus agentes mandam, sem se importar muito com as consequências dos seus atos. Diamantino não tem qualquer consciência política. Mesmo quando se toca com as condições dos refugiados, que chama de “fugiadinhos”, é muito mais por uma questão passional do que por uma questão social.

Diamantino também lida com a crise econômica que assolou o mundo há pouco mais de dez anos. E, é desse sentimento de insegurança financeira que assola especialmente a classe média, que ascende um discurso como o da organização secreta. Por conta disso, cria-se uma justificativa estapafúrdia de que todos os preconceitos podem ser legitimados por uma valorização pretensamente patriótica. Nada muito diferente do que aconteceu no Brasil desde que os pedidos por impeachment da presidenta Dilma Rouseff se intensificaram na sociedade brasileira.

Mesmo com um tom cômico bastante acentuado, Diamantino é uma obra que deixa um gosto amargo, em que pese as risadas ao longo da narrativa e o final, na medida do possível, feliz. É um filme que só existe como reflexo de um mundo caótico e hostil. Talvez uma comédia tresloucada seja mesmo a forma mais sincera de captar esse universo.

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