4,5
Estrelado por Keanu Reeves e dirigido pelos ex-diretores de dublês Chad Stahelski e David Leitch, De Volta ao Jogo injetou novo fôlego no panorama do cinema de ação ao dispensar os personagens anabolizados e excesso de computação gráfica. O filme de John Wick é ainda uma referência de filme que enxuga a trama ao limite do simplório e investe em sequências longas e extenuantes, onde os cortes rápidos e as câmeras sacolejantes perdiam para os enquadramentos abertos e uma montagem que privilegiava a fisicalidade da ação. E assim, meio que do nada, John Wick virou um novo cult do cinema casca-grossa, e obviamente não demorou para alguém tentar seguir os passos.
Produzido pela Thunder Road Pictures (de John Wick e Sicário) e a Fundamental Company (de Valerian e a Cidade dos Mil Planetas), o diretor Brian Smrz - também um coordenador de dublês que virou diretor - também encontrou seu ator de renome na figura de Ethan Hawke e dirigiu Um Dia Para Viver, sua própria abordagem dentro do gênero do protagonista motivado a se vingar que bate um monte e apanha mais ainda.
Hawke encara um exército de assassinos na figura de Travis Conrad, um homem que perdeu sua família enquanto trabalhava para a organização criminosa Montanha Vermelha. Ele encara o maior desafio da sua vida quando é assassinado em uma missão e, através de uma perigosa droga experimental, recebe mais um dia de vida para dar informação sobre a localização de um ex-mercenário que resolveu depor para a ONU. Traído, resolve sair atrás da organização que o usou.
Isso seria um pretexto para um filme agitado à la Adrenalina, mas não é bem assim. Essa trama fantástica demora muito a começar, e Travis não é nem o primeiro personagem que nos é introduzido, mas sim a agente da lei Lin Bisset, que escolta o delator pela África do Sul. E além de levar muito a sério o conceito onde por sua vez o filme de Jason Statham era pura fanfarronice, o filme também falha em reproduzir a tensão que significa ter seu tempo contado, com o roteiro frequentemente promovendo elipses temporais, conversas de carro, paradas para lamentações, enfim. Para quem tem um mostrador digital no braço com uma contagem regressiva, Conrad parece até abatido, mas nunca com uma pressa real.
Essa impressão que o filme tem de si mesmo de estar tratando de um assunto mais profundo do que realmente aborda (aquela bobagem charmosa que todos adoram de organizações criminosas, assassinos em conflito e interesses românticos impossível) dá margem para muitas alucinações e flashbacks sentimentalóides, que tentam extrair algum tipo de emoção do espectador com uma meia dúzia de diálogos derivativos e lugares-comuns. Não ajuda muito a relação com o sogro, interpretado por Rutger Hauer, ter menos de meia dúzia de cenas - todas elas dispensáveis.
O que tira também qualquer tensão do filme é seu excesso de personagens e nenhum deles fornecer um antagonismo óbvio para Travis. Lin é seu percalço em uma hora, porém se apaixona por ela, depois vamos Jim Morrow (Paul Anderson), cuja relação de amizade e profissionalismo faz com que tenha a lealdade dividida e então chegamos no maligno (e unidimensional) Wetzler - mas que aparece tão pouco na primeira metade que quando ganha mais foco lá no final, a justificativa dramática de termos raiva dele é muito pouco fundamentada.Alguns conflitos são interessantes, mas são tão jogados e pouco desenvolvidos em tela, que ficamos nos perguntando: contra quem Travis luta na verdade? Nenhum oponente significa muito no final das contas, e o personagem vira basicamente um grande rolo compressor de figurante.
Além de um ou outro plano que destaca de forma bruta as lutas que John Wick ajudou a tornar evidente de novo, um dos únicos elementos aqui é Ethan Hawke. Mesmo o roteiro sendo sério demais e dentro da sua seriedade, “barato” demais, novelesco demais, o ator cai de cabeça no background dado e interpreta um personagem que não é apenas brutal, mas também distante, amargurado, arrependido. Claro, a trama rocambolesca sobre organizações, códigos e lealdade com tom de novela televisiva pode até ficar deslocada e desvinculada, mas a forma que Hawke constrói é interessante. Talvez se fosse melhor escrita…
Dá para dizer que o azar de 24 Horas para Viver é existir em um mundo onde John Wick existe, mas seria um contrassenso, já que o primeiro existe por causa do segundo. O filme de Reeves, Stahelski e Leitch conquista pelo charme de misturar a tensão dramática, o absurdo irônico e o peso gráfico de cada sequência. O filme de Hawkes e Smrz desinteressa por tentar replicar sem o mesmo senso de urgência, replicando os conceitos de Wick de forma frouxa e derivativa. O filão recentemente descoberto já ganhou seu primeiro subproduto feito na medida e a impressão é que não será o último.
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