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Críticas

Cineplayers

Toda a cartilha de um filão.

6,0
Vencedor do Oscar de melhor direção em 2013 por Gravidade, Alfonso Cuarón tornou-se notável pelo uso refinado da câmera como dispositivo narrativo – antes do filme que o consagrou, tornou-se célebre pela distopia Filhos da Esperança e Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, o menos rentável mas o grande ponto de virada da série. Filho e parceiro de profissão, Jonás Cuarón começou com papéis pequenos em filmes do pai para acabar trabalhando como roteirista da ficção científica dirigida por Alfonso.

Agora em seu segundo filme após o drama romântico Año Uña, Deserto, exibido no Festival de Toronto no segundo semestre de 2015 e estreando no México no primeiro semestre de 2016, antecipou questões sociopolíticas que explodiriam ao final daquele ano com as eleições presidenciais americanas e toda a polêmica que cercou a candidatura de Donald Trump e seu discurso anti-imigração.

Inclusive, para o astro Gael García Bernal, o diretor teria “colocado no papel o que acontece quando alguém valida discurso de ódio”, na história de um grupo de mexicanos tentando entrar ilegalmente nos EUA e rapidamente reduzido a apenas à dupla Moises e Adela pelo brutal Sam, um franco-atirador acompanhado de um cão de caça que patrulha a fronteira executando à distância os imigrantes.

Como um thriller de caçada humana, Jonás seca seu filme praticamente de quaisquer arestas, com os momentos de relaxamento da tensão parecendo até forçados, desenvolvendo personalidades e passados de forma exageradamente sentimental, tanto mostrando as esperanças dos imigrantes quanto a melancolia do caçador, verbalizando o que poderia ser expresso através de ações.

No campo da ação, é curioso ver um filme com a temática “sniper caçando pessoas” tão próximo a outro, Na Mira do Atirador de Doug Liman. Feito anteriormente e estreado posteriormente no Brasil, Cuarón também carrega seu filme de planos subjetivos de mira, câmeras na mão e grandes planos que denotem a imensidão e a dificuldade em sobreviver naquele calor escaldante.

Deserto não nega fogo na questão da violência; ter grandes astros como Gael García Bernal e Jeffrey Dean Morgan não fez com que o diretor se contivesse no número de buracos de bala e sangue jorrando, filmando com riqueza de detalhes uma morte excruciante lá pelo final.

Porém a mão pesada em reproduzir o básico da cartilha do thriller atual transforma um filme de trama simples em um filme de abordagem simplista. No final das contas, o personagem antagonista soa maquiavélico e os protagonistas sofridos demais, poucas vezes escapando da unidimensionalidade. 

Aliás, é o que vitima boa parte desses filmes que tinham potencial para serem mais: sacrificar forma pela mensagem, botando na boca dos personagens discursos pouco naturais, enfiando recursos extradiegéticos como música que tiram a visceralidade suas propostas - perseguição, confinamento, falta de recursos de sobrevivência - ao invés de deixar as temáticas serem expressas pela forma.

Esse é a principal característica que vitima o filme de Jonás, que poucas vezes faz “a câmera falar” de fato, imergindo o espectador naquela situação, nos tornando cúmplices dos perseguidos e do seu algoz, cedendo ao discurso fácil e com uma estranha sensação de justiça ao final e menos de problema prolongado e exaustivo para ambas as partes. 

Temas sociopolíticos sempre foram material para muitos bons filmes - e para alguns ruins e muito medíocres, que deixam-se contaminar pela necessidade de opinar contra, opinar a favor, o que seja, e esquecem de seus personagens como pessoas, indivíduos, com particularidades e questões, e não tanto como fábulas morais e pedagógicas de “heróis por esforço”, “mártires vitimados pela injustiça”, o que seja. Sendo um assunto muito complexo, dificilmente a questão poderia ser encerrada por um único filme sem dar a impressão para a obra que ela esteja tentando “justificar” ou “justiçar” as questões que aborda. É certo que não existem filmes desprovidos de parcialidade, mas a grande diferença são os filmes que não deixam-se ser escravos da mesma. 

Nesse sentido, Deserto enquanto thriller de caçada humana por vezes empolga e por vezes nos deixa em suspense; enquanto obra que tem como fundo a moral política, escorrega em cartilhas formais e narrativas que permitam rápido entendimento e reconhecimento, não desafiem o pensamento ou as convenções do espectador e acaba oferecendo questões e soluções de desenvolvimento e filmagem fáceis demais. O resultado é passável, mas nem por isso deixa de ser uma hora e meia de pura obviedade cinematográfica.

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