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Críticas

Cineplayers

Alexander Payne e a arte de uma história bem contada.

8,0

Alexander Payne precisou de apenas quatro filmes para se tornar um dos mais conceituados autores do cinema norte-americano. Mais interessado em refletir sobre os problemas de homens comuns e em extrair o humor de situações complexas do que orquestrar um espetáculo ou explodir coisas, o roteirista/cineasta conquistou, antes deste seu último trabalho, três indicações ao Oscar e uma reputação que o permitiu trabalhar com um astro do porte de Jack Nicholson já em sua terceira produção. A consagração, porém, parece ter vindo de forma definitiva com Os Descendentes (The Descendants, 2011), obra que abocanhou cinco indicações ao prêmio da Academia e figurou em praticamente todas as listas de melhores filmes do último ano.

E a louvação a Os Descendentes não é exagerada. Escrito pelo próprio Payne em parceria com Nat Faxon e Jim Rash, o longa parece ser o seu trabalho mais bem acabado, aquele que melhor equilibra todos os elementos do cinema de Payne, dosando de forma quase perfeita uma tocante história familiar com momentos certeiros de humor. Ciente de não ser o mais virtuoso dos diretores ou de não ser um visionário do cinema, o cineasta trata o filme da mesma maneira que tratou seus trabalhos anteriores: de forma minimalista, sem muita interferência, grandes cenas ou planos memoráveis. Em certo sentido, pode até ser uma escolha deliberada, uma vez que, dessa forma, Payne faz com que o foco sejam as histórias e os personagens – e, em seu cinema, é isso o que realmente importa.

Assim, o objetivo de Payne com Os Descendentes não é propor inovações ou brincar com a linguagem, como seus concorrentes ao Oscar A Árvore da Vida (The Tree of Life, 2011) e O Artista (The Artist, 2011), mas simplesmente entregar uma história bem contada, narrada de uma maneira mais clássica e tradicional, apostando na identificação do espectador com os personagens. Ainda assim, mesmo sem aquelas cenas capazes de encher os olhos, Payne demonstra ser um diretor inteligente, posicionando sua câmera sempre de forma apropriada para que possa alcançar o sentimento que busca de seu público. É o caso, por exemplo, do divertido momento em a cabeça de George Clooney surge por cima de uma moita ou quando, em uma despedida entre dois personagens, Payne aposta em um plano bem fechado no rosto dos atores, dando destaque à emoção e à lágrima de um deles.

Mas é o roteiro que realmente eleva Os Descendentes ao posto de um dos grandes filmes do ano. Permeando a trama com instantes sutis de humor, o texto é hábil ao não resvalar em clichês ou estereótipos, desenvolvendo de forma plenamente satisfatória todos os seus personagens – até mesmo o jovem Sid, que parece ser apenas o alívio cômico, tem a sua oportunidade de ganhar um pouco de complexidade. Os Descendentes é um filme povoado por pessoas de verdade, que lidam com dificuldades reais, não apenas pedaços de plástico à mercê de soluções artificiais criadas por roteiristas preguiçosos. Consequentemente, mesmo que seja até previsível em sua estrutura, a história permanece sempre envolvente, uma vez que a plateia realmente se interessa pelos personagens e suas atitudes.

Como se não bastasse, o enredo é desenvolvido de forma cuidadosa, apresentando a reaproximação da família King de forma gradual. Payne, Rash e Faxon são inteligentes o bastante para não utilizarem o fácil recurso de criar um único grande momento que acaba unindo aquelas pessoas, preferindo apostar que uma série de pequenos instantes, palavras e olhares poderia ser muito mais eficaz e real – no que acertam, claro. Assim, o aprendizado de Matt sobre como lidar com as filhas e o crescimento de Alexandra na forma de encarar seus problemas é feito gradativamente e, quando a plateia se dá conta, aquelas pessoas são uma família novamente, sem a necessidade de uma cena que praticamente enfia goela abaixo do espectador essa mensagem. Ainda assim, é preciso ser dito que a narração em off parece dispensável: além de pouco acrescentar, ela apresenta temas que poderiam ser discutidos de forma mais orgânica por um cineasta do talento de Payne, e o fato de ser esquecida pelo filme após alguns minutos é uma prova de que o filme não sentiria a sua falta.

Fazendo aqui mais um de seus trabalhos que explora o lado artístico e não o comercial, Clooney consegue mostrar novamente ser um ator competente, transmitindo de forma eficaz a confusão mental de Matt King e as dificuldades de lidar com os dilemas que a vida o ofereceu. Aliás, Clooney realiza um belíssimo trabalho em uma das cenas mais emocionantes do filme, quando se despede de certa personagem. No entanto, o grande destaque em um filme muito bem interpretado por todo o elenco (até mesmo o sempre exagerado Matthew Lillard surge eficaz) é a jovem Shailene Woodley: fugindo da armadilha de interpretar Alexandra como uma simples adolescente revoltada, a atriz constrói uma personagem 100% crível, que mescla instantes de rebeldia com outros de pura doçura – e o fato de se destacar inclusive em cenas protagonizadas ao lado de um astro do porte de Clooney é mais uma prova do talento e personalidade da atriz.

Com diálogos sempre inteligentes e cenas que dizem muito sem precisar de grandes palavras, Os Descendentes é mais um belíssimo trabalho de Alexander Payne, trazendo diversos temas sem cair na pieguice. É um filme sobre família, sobre o legado que se deixa, sobre como lidar com a perda, sobre a necessidade do perdão. Um filme sobre a vida, sempre com um olhar humano e divertido.

Exatamente como ela deve ser vivida.

Comentários (17)

Dnic Lima | quinta-feira, 01 de Março de 2012 - 00:46

É o filme mais "cool" de 2011, simplista, leve, ótima história, bom desenvolvimento, e uma atuação maravilhosa do Clooney, que geralmente é muito mecanico em suas atuações, nessa ele se saiu muito bem, pelo menos a melhor que já vi em seus filmes. Desde que assisti, está entre os 5 melhores de 2011, na minha opinião.

Cristian Oliveira Bruno | segunda-feira, 25 de Novembro de 2013 - 15:31

Achei apenas um bom filme, o que hoje em dia já é uma grande coisa. Finalmente vi Clooney interpretar de verdade, embora não seja nada de excepcional.

MAURICIO ALVES DA COSTA | domingo, 22 de Junho de 2014 - 17:05

É um daqueles filmes que, mesmo tendo visto no cinema, se você começa a ver de novo na TV a cabo, fica vendo até o fim. Envolvente.

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