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Críticas

Cineplayers

A observação sob uma tragédia anunciada.

8,0
Finalmente o diretor Gavin Hood parece sair de uma zona ruim de sua carreira. Ganhar um Oscar é algo cada vez mais mercadológico e menos meritocrácito, e particularmente o seu (pelo sul-africano Infância Roubada) passou longe de representar uma unanimidade. Importado aos EUA, sobrevivia até agora como diretor contratado de produções burocráticas e desinteressantes sob qualquer ponto de vista, no que se inclui o aborrecido primeiro filme solo do mutante Wolverine nos cinemas. Ao parecer saber não se tratar exatamente de um às por trás das câmeras, Hood finalmente encontra um veículo que possibilite futuros voos, e através desse surpreendente novo thriller que mescla espionagem e conflitos de guerra o cara consegue um belo gol.

Calcado num belo roteiro, que sugere facilidade apenas na aparência mas que nos fornece um painel de personagens em cuidadosos delineamentos, o longa estrelado por Helen Mirren e Alan Rickman não tem qualquer receio de discutir assuntos muito delicados (onde absolutamente todas as hipóteses são cogitadas, inclusive as escabrosas) e mostrar lances para retinas fortes, uma prática cada vez mais incomum quando se trata de cinema comercial de língua inglesa. Sem a preocupação de ser chapa branca ou agradar poderosos, a radiografia humana procurada aqui é bem defendida e situada, e nem estou falando apenas do macro da situação, mas também do micro. E talvez por isso mesmo o filme cresça tanto enquanto produto cinematográfico.

Com utilização impecável de câmeras que funcionam como representação de drones utilizados pelo exército hoje para espionar e rastrear foragidos de guerra e/ou ligados ao terrorismo de diferentes formas, Hood consegue imagens nunca menos que empolgantes do trabalho campal ao qual as forças armadas hoje têm acesso. Com belíssima montagem que vai intercalando a princípio dois núcleos, que viram três, que se desdobram em quatro, que se transformam em cinco sem nunca perder fôlego ou coerência, o gradativo trabalho conjunto entre roteiro e edição descasca camadas e mais camadas de um momento-chave na vida de diversas áreas de uma decisão política conflituosa envolvendo países, nos arremessando no centro de uma discussão mais que atual a respeito do olhar de cada um sobre algo que não tem como ser adiado, que precisa ser decidido agora e custará vidas; resta saber quantas.

E não a toa o título original do longa (Eye in the Sky) é tão simbólico e acertado. A expressão é utilizada pela oficial vivida por Mirren em relação aos soldados americanos responsáveis pela vigilância de uma reunião terrorista que pode ou não descambar a qualquer momento para um conflito armado, efetuada através dos já citados drones espiões; no entanto, aos poucos não é apenas esse núcleo que tem os "olhos no céu", mas todos os personagens do filme (e não são poucos, num trabalho de coesão e unidade impar de um elenco caprichado) - além do próprio espectador, cada vez mais hipnotizado por uma situação que nunca é menos que angustiante. Assim sendo, o filme mostra que a guerra hoje tem a limpeza da distância, mas a sujeira da consciência permanece agora ampliada, porque as tais linhas inimigas hoje vazam as zonas de guerra e invadem quartéis, bunkers protegidos, salões presidenciais, gabinetes, salas de reuniões, hotéis. Tudo é corroído pelo maravilhoso poder da mesma tecnologia que tirou da guerra os corpos de quem atinge, mas que continua trazendo os respingos de sangue pra manchar qualquer lembrança futura.

Com a consciência da força de sua narrativa e do poder de conexão popular que tem em mãos, o trabalho grosso de Hood passa a ser dirigir o azeitado elenco e construir o estado permanente de tensão que dura pelo menos 90% ininterruptos do filme, desempenhando seu papel com eficiência. Num filme de sedução fácil e com um roteiro que consegue enxugar muito didatismo além de definir personalidades em poucas frases (o já saudoso Rickman é dos poucos que observamos a vida fora da prisão que é o dia retratado pelo filme, mas todos conseguem mostrar tridimensionalidade insuspeita graças a diálogos e interpretações), seu diretor se saiu bem por saber finalmente movimentar as peças do xadrez nada tranquilo que é dirigir um filme.

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