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Críticas

Cineplayers

Um olhar para a empatia

10,0

A estreante Marine Atlan é um nome a ser guardado para o futuro. Tão jovem em idade e função, conseguiu captar uma miríade de situações e conflitos do nosso tempo em um lugar de simplicidade e poesia: a infância. Pra mim a associação com outros clássicos franceses como Zazie no Metrô ou Na Idade da Inocência (Malle e Truffaut) foi direta, como observar aqueles temas sob os olhos cuidadosos de alguém mais próximo aquele universo, de um gênero que parece viver o apogeu do reconhecimento no cinema (finalmente!) e que consegue reconduzir o ato de contar histórias passando por temas tão caros ao mundo de hoje, respeitando todos os possíveis caminhos de observação, uma construção coletiva de respeito e tentativa de entendimento, tão em falta no mundo de hoje.

Daniel precisa ir a escola, mas antes anuncia o sumiço do seu gato pelas ruas da vizinhança (onde encontra Patrick D'Assumpção, com uma fala 'easter-egg' que remete diretamente ao neo-clássico que estrelou há 6 anos atrás - e como é delicioso observar a cinefilia de Marine). No dia em questão, Daniel irá ensaiar uma apresentação de canto e dança escolar junto com sua turma, e durante os preparativos para tal evento, ele irá flagrar Marthe, sua colega de turma, se trocar. Ambos com possíveis 10 anos. A partir desse evento, a narrativa tomará um rumo cada vez mais repleto de camadas, rico em potencialidades dramáticas e apontando para símbolos contemporâneos de diferentes esferas, do micro ao macro, da sensibilidade particular à violência do terror, do drama suave até chegar na explosão de medo, passando pela (in)compreensão do nosso tempo.

Com experiência como fotógrafa (inclusive também aqui exercendo a função), Marine encontra o tratamento ideal de linguagem estética a ser empregado em seu primeiro longa, com o olhar de cada personagem - com destaque para o personagem-título - mostrando seu campo de atuação dentro do jogo proposto em cena. Os papeis sociais são sutilmente definidos por esse foco da câmera, que vai designando os caminhos repletos de ambiguidade de questões muito complexas para um grupo de crianças vivenciar, mostrando que a amplitude do seu grau de acerto estético também é a segurança emocional de seu elenco, ao tomar pra si as possíveis interpretações das possibilidades. Ao mesmo tempo, o filme não foge de assumir temas tão amplos e antônimos como o terrorismo, o nascimento da sexualidade, a política da propriedade dos corpos femininos, a intolerância, a busca pelo entendimento através da análise dos fatos, tudo pincelado com argúcia em um projeto em tudo especial.

Com um elenco sublime de crianças onde absolutamente todas brilham, é muito sensível o lugar onde Marine chegou com seu protagonista, Theo Polgár. Explorando cada nuance de uma criança prestes a florescer num ambiente tão cheio de armadilhas como é a chegada da adolescência, Théo consegue nos convencer da existência de Daniel, provavelmente por estar passando por questionamentos muito próximos aos dele no mesmo momento em que seu personagem. Dito isso, é louvável o lugar onde ele chega, do esforço emocional do próprio olhar em passar da curiosidade à culpa em segundos, do arrependimento ao medo, passando pela sensibilidade, a timidez e a frustração, dando o tom de um filme que encanta e comove, mostrando que Mikhaël Hers não está sozinho na tentativa de construir um mundo passível de conexão entre os seres através do mundano, e que mais uma vez mostrar que só a empatia salvará todos nós, no final. 

Filme visto no Olhar de Cinema de Curitba

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