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Críticas

Cineplayers

O novo longa de Brian De Palma chega com muito estilo, mas pecando no conteúdo.

6,0

O noir é um dos gêneros mais interessantes do cinema americano. Mesmo tendo atingido seu auge nos anos 40 – quando Humphrey Bogart, Alan Ladd e outros eram os símbolos do detetive cínico e durão envolvido com femmes fatale –, o noir ainda recebeu boas visitas nas décadas seguintes, recriando aquela época e estado de espírito com perfeição (Los Angeles – Cidade Proibida, de Curtis Hanson, está aí para não me deixar mentir).

Dália Negra, ainda que esteja a anos-luz da qualidade do filme de Hanson, é noir do princípio ao fim. Baseado na obra de James Ellroy a partir de um caso real, a produção conta a história do detetive Bucky Bleichert, que envolve-se na investigação do assassinato de Elizabeth Ann Short, uma aspirante a estrela em Los Angeles. Preso em um inusitado triângulo amoroso com seu parceiro Lee Banchard e a esposa Kay, Bleichert deve desvendar a intricada trama, onde nada é o que parece.

Dirigido por Brian De Palma, Dália Negra tem o apuro técnico de todas as obras do cineasta. Com uma fotografia esplendorosa de Vilmos Zsigmond, sempre ressaltando o tom escuro (característica do gênero), e uma impecável recriação de época, tanto em termos de cenário quanto de figurino, Dália Negra torna-se um filme belíssimo para se olhar, ainda que os problemas narrativos construam um longa difícil de se assistir.

Como de praxe, De Palma exibe todo o seu talento ao criar momentos que vão deleitar os cinéfilos. Seu cuidado com a composição dos planos e a inventividade dos movimentos de câmera e enquadramentos são a principal qualidade de Dália Negra. Cada cena parece pensada e executada de forma a atingir o máximo de plasticidade possível, resultando em imagens de beleza impressionante e com um invejável domínio técnico.

A virtuose de De Palma no manejo da câmera pode ser notado em cenas como o fabuloso plano-seqüência pelas ruas e prédios da cidade, uma realização, diga-se de passagem, possível unicamente graças ao ótimo trabalho de direção de arte. Da mesma forma, o cineasta ainda chama a atenção para si em quadros como aquele que vemos o detetive Blanchard encostado em uma parede e Bleichert ao fundo, sobre uma escada.

Porém, a melhor cena de Dália Negra, onde as influências hitchcockianas em De Palma se tornam claras, se passa numa escadaria, terminando numa queda sobre uma fonte. Beneficiando-se de um preciso trabalho de montagem, a seqüência é um primor de suspense, com soluções criativas (a sombra do assassino no teto) e outras mais usuais (a câmera lenta), atingindo um nível de tensão e estética quase equivalentes.

No entanto, se Dália Negra é um banquete em termos visuais, o roteiro é repleto de problemas. O mais perceptível deles é em relação à própria adaptação. Quem já leu alguma obra de James Ellroy sabe a complexidade das tramas paralelas e do grande número de personagens que o escritor costuma criar. Transpor um livro de Ellroy para as telas de forma coerente e clara deve exigir um esforço hercúleo dos roteiristas (mas não impossível, como Brian Helgeland e Curtis Hanson provaram em Los Angeles – Cidade Proibida).

E este parece ter sido o mal que acometeu Josh Friedman, responsável pela adaptação. Na tentativa de comprimir o texto de Ellroy em duas horas de filme, Friedman entregou um roteiro confuso e repleto de digressões, com diversas tramas simultâneas que acabam dando um nó na cabeça do espectador. Falta objetividade à história e tanto o roteirista quanto De Palma não conseguem oferecer clareza à trama. Percebe-se como há a urgência de se explicar todos os pontos soltos e a pressa resulta em mal-explicadas deduções dos personagens e conclusões inverossímeis. Certas cenas, situações e personagens parecem jogadas na tela sem grande razão de existir exceto respeitar o livro.

Como se não bastasse, os personagens ainda são construídos de forma precária. A obsessão de Lee Blanchard pelo assassinato da garota jamais encontra a compreensão do espectador, uma vez que a explicação para tal fato vem de forma superficial e breve. Cada um, como é corriqueiro em filmes do gênero, traz um segredo, porém em Dália Negra estas revelações não surgem para oferecer mais profundidade aos personagens ou trazer reviravoltas lógicas à trama, aparecendo unicamente para acrescentar um novo ingrediente à salada de informações de Friedman e De Palma.

Em conseqüência, as atuações jamais atingem um nível de destaque, permanecendo na arena do correto. Hartnett carrega bem o filme e Johansson continua com uma presença magnética, mas são prejudicados pelo material inconstante. O mesmo acontece com Hilary Swank, que parece não encontrar o tom certo para o papel. A única que se sobressai é Mia Kirshner no papel da garota assassinada. Vista apenas através de “testes de cena”, a atriz demonstra talento ao realçar a fragilidade de Elizabeth em poucas cenas, criando a personagem mais bem delineada de toda a produção.

Contando com uma boa atmosfera e momentos esporádicos de inspiração, Dália Negra jamais alcança o nível que prometia, considerando-se o talento dos envolvidos. Na realidade, a obra traz a principal característica do cinema de Brian De Palma: muito estilo e pouco conteúdo.

Comentários (3)

K.Lincoln Ramalho Paes | sábado, 12 de Novembro de 2011 - 18:25

"Na realidade, a obra traz a principal característica do cinema de Brian De Palma: muito estilo e pouco conteúdo."

Cristian Oliveira Bruno | segunda-feira, 25 de Novembro de 2013 - 15:02

Muito boa a cítica, mas discordo plenamente da afimação final. Se Missão: Marte (2000) se encaixa perfeitamente nessa situação, dizer que Femme Fatale (2002), Olhos de Serpente (1998), Missão: Impossível (1996), Pagamento Final, O (1993), A Fogueira das Vaidades (1990), Pecados de Guerra (1989), Os Intocáveis (1987), Dublê de Corpo (1984), Scarface (1983), Um Tiro na Noite (1981), Vestida para Matar (1980), Carrie - A Estranha (1976) e Irmãs Diabólicas (1973) são filmes sem conteúdo é um sacrilégio. Entendo que De Palma oscila demais em seus trabalhos, mes também já nos presenteou com alguns grandes clássicos do cinema. É torcer pra ele se reencontrar e se livrar do estigma de substituto de Hitchcock e de seu \"ame ou odeie\".
Mas a crítica tá muito boa. Parabéns.
Fazer alguém que discorda de grande parte do texto ainda elogiá-lo é pra quem sabe escrever e conhece sobre o que escreve. Parabéns Pilau!!!

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