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Críticas

Cineplayers

Mais um exemplar do cinema versátil, porém irregular de Gore Verbinski.

5,0
A carreira de Gore Verbinski sempre foi marcada pela versatilidade. Mesmo que seus filmes oscilem em qualidade – e ele não deixe de ser um representante da engessada indústria bilionária do cinema americano –, o cineasta não pode ser acusado de comodismo, pois prefere investir em produções de variados gêneros em vez de se limitar a uma zona de conforto. Sim, talvez sua obra careça de visão autoral, de uma temática consistente a ser defendida, mas é admirável acompanhar um cineasta do alto escalão comandar filmes tão distintos quanto Um Ratinho Encrenqueiro (1997), Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra (2003), O Sol de Cada Manhã (2005) e Rango (2011).

A Cura (2017), mais recente trabalho de Verbinski, estabelece uma ponte com seu primeiro grande sucesso, o ótimo suspense O Chamado (2002), que se tornou, de certa forma, referência cultural com a fita que mata em sete dias e a menina dos longos cabelos pretos chamada Samara. Embora a produção estrelada por Naomi Watts seja mais bem-acabada do que este novo esforço, A Cura traz elementos em comum com aquele filme, especialmente no que diz respeito à linguagem visual adotada por Verbinski e pelo Diretor de Fotografia Bojan Bazelli (não por acaso, parceiros no sucesso de 2002).

Essa, na verdade, é uma das poucas qualidades de A Cura. A utilização de uma paleta de cores fria – fazendo o espectador sentir a falta de humanidade daquele ambiente – pode já ter se tornado lugar-comum em produções do gênero, mas Verbinski a utiliza de modo a potencializar seu ótimo senso de estilo, construindo um filme que faz bem aos olhos mesmo em seus momentos mais atrapalhados. Da mesma forma, o constante clima de mistério em relação à verdadeira natureza do lugar mantém o interesse, ao menos durante boa parte da projeção, já que a desnecessária e excessiva duração da obra (quase duas horas e meia) acaba por prejudicar o resultado final.

O fato é que há muitas cenas desnecessárias ou pouco importantes em A Cura sendo trabalhadas pelo cineasta como se fossem de extrema relevância, o que infla e arrasta o filme em diversos momentos. Dois exemplos claros: a sequência inicial, que pouco tem a ver com o contexto da história; e a cena passada no bar da cidade, quando o protagonista e uma das pacientes tomam cerveja e arranjam briga com os locais. Qual a relevância desse momento para a trama? Ele não apenas causa ainda mais danos a um filme com problemas de ritmo como também é incoerente com a própria história – ou alguém acredita que a menina tímida sairia dançando em meio a um grupo de desconhecidos?

Passagens como essa deixam claro que Verbinski ganhou certa liberdade criativa na produção, mas que isso não fez bem ao resultado final do filme, que parece muitas vezes um simples exercício de ego, e não uma obra cinematográfica planejada para o público. A cada plano que realmente acrescenta algo à narrativa, há outros dois ou três nos quais o cineasta busca apenas chamar a atenção para si mesmo – como aquele no qual vemos os personagens em uma sala através do reflexo do olho de um animal exposto na parede ou a cena na sauna com as paredes “se fechando”, que não faz sentido algum dentro da trama.

E talvez não haja prova mais definitiva disso do que a percepção de que é próprio Verbinski quem sabota o filme de forma definitiva. O desenvolvimento do mistério de A Cura é tão arrastado e sua revelação leva tanto tempo para chegar que, quando isso finalmente acontece, o final perde qualquer impacto. Não que ele seja surpreendente, é bom ser dito. O roteiro de Justin Haythe é bem menos inteligente do que supõe, com reviravoltas previsíveis, metáforas mal desenvolvidas (como a bailarina que não sabe que está sonhando) e o próprio trauma do protagonista com o pai, que pouco acrescenta à construção do personagem. Aliás, falando nisso, alguém consegue explicar o que aconteceu com a mãe dele?

Defendido pelo pouco carismático Dana DeHaan – que parece ter um rosto esculpido para ser sempre vilão –, o jovem Lockhart carece de uma maior identificação com a plateia para que esta realmente embarque em sua jornada. É possível se interessar pela história de um personagem antipático, mas isso não acontece em A Cura, já que pouco é apresentado sobre o protagonista além do já citado passado com o pai. E esse é apenas mais um dos problemas do roteiro, que ainda apela para o clichê do vilão explicando seus planos em discurso, traz uma mensagem sobre a vida moderna que jamais parece bem resolvida e abraça diálogos embaraçosos: “Sabe qual a cura para a condição humana? A doença, porque só aí há chance de cura”. Hein?

Assim, com um desenvolvimento tão problemático e um roteiro de tão pouca coerência, o espectador chega cansado ao terceiro ato – que já seria desastroso mesmo se o restante estivesse bem afinado. Nesse momento, Verbinski parece abandonar de vez o suspense para abraçar efusivamente o camp, assumindo ecos de O Fantasma da Ópera em cenas capazes de gerar mais riso que tensão, culminando em um plano final que faz tanto sentido quanto a sequência das paredes se fechando na sauna.

Mesmo com um design de produção inspirado (tanto o spa quanto o lugar nos Alpes onde ele se encontra são fabulosos) e bons momentos ocasionais (a cena envolvendo o dentista é de fazer qualquer pessoa que já ouviu o som de uma broca se contorcer de dor), A Cura é um filme irregular, que jamais se mostra capaz de sustentar a boa expectativa inicial.

Gore Verbinski pode ser um cineasta versátil, mas, no que diz respeito a suspenses passados em instituições misteriosas, melhor ficar com o consagrado Martin Scorsese e seu Ilha do Medo (2010).

*Curiosidade: a jovem Mia Goth, que interpreta Hannah, é neta da atriz brasileira Maria Gladys.

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