Ridley Scott deve acabar se queimando com esse épico fraco. Salvam-se poucos momentos.
Ridley Scott recebeu o troco. Quando, em 2000, reviveu os grandes épicos com seu famigerado Gladiador (que todos viram como um grande filme, o que na verdade ele nunca o foi), Scott mal sabia que Hollywood iria tirar proveito deste reaquecimento e produzir uma série de filmes com conteúdo histórico e com grandiosas cenas de batalhas. Só que nenhuma destas produções saiu-se bem tanto em bilheteria quanto no aval crítico (Tróia, Rei Arthur, Alexander). Scott, então, decidiu novamente encarar uma produção deste porte com Cruzada, cinco anos após seu épico anterior. Só que seu novo filme se revela tão raso e dispensável quanto os supracitados, com o agravante que rendeu pífios 20 milhões de dólares em sua estréia norte-americana.
É fato que Scott não vem atravessando grande fase nos últimos anos. Se Gladiador recebeu quatro Oscar e faturou rios de dinheiro, isso se deu mais a uma campanha de marketing agressiva e um Russell Crowe no auge da fama. Os filmes seqüentes de Scott foram abaixo da crítica: Falcão Negro em Perigo é mais um exercício de estilo e técnica que propriamente um filme; Hannibal é uma lástima completa e apenas o menor Os Vigaristas é digno do cineasta que uma vez nos brindou com obras do calibre de Thelma & Louise, Alien - O Oitavo Passageiro e Blade Runner. Entretanto, seu prestígio permanecia intacto até então, mas depois do fracasso de Cruzada vai ser difícil não ficar com a imagem arranhada, até porque o que interessa aos executivos é dinheiro, e isso provavelmente Cruzada não vai retornar.
E não teria como ser um sucesso um filme tão mal contextualizado, dramaticamente raso e fora de foco. Culpa do roteirista novato William Monaham, que quebra sua narrativa em duas partes distintas e com uma conexão muito duvidosa, e do próprio Scott, que não soube como situar a história de seu protagonista, o ferreiro que se descobre nobre, Balian (Orlando Bloom), e sua abordagem principal, a luta pela tomada de Jerusalém dos cristãos pelos muçulmanos ao final do período de trégua das Cruzadas, no século XIII. Não vou me prender à veracidade histórica, já que cinema é obra de ficção e entretenimento, e um filme com pouco mais de duas horas não teria condições de levar tudo ao pé da letra. Aliás, acho muito duvidoso o título nacional, já que o filme não é sobre estas expedições, e sim sobre a batalha por Jerusalém, o Reino dos Céus – o título original.
Muitos estão culpando Orlando Bloom pelo fracasso da produção. O moço, queridinho atual das adolescentes e com um retrospecto excepcional para um quase iniciante (a trilogia O Senhor dos Anéis, Piratas do Caribe e Tróia) assume pela primeira vez o papel de protagonista de uma grande produção. Só que antes ele não tinha demonstrado nenhuma qualidade dramática mais aguda a ponto de segurar uma produção desse porte. Só que o rapaz surpreende e apresenta um Balian contido e bastante plausível – o que acaba por compará-lo com a forte presença de Russell Crowe em Gladiador (que ao meu ver é algo que vai mais para show particular que atuação em si). Bloom é desfavorecido ainda mais quando vê o roteiro mudar o foco na busca do seu personagem pela redenção para apresentar os intragáveis clichês sobre intrigas palacianas e finalmente a tal guerra.
Balian é um sofrido ferreiro que sofre com a morte do filho e o suicídio da esposa. Após descobrir ser filho de um respeitado nobre, Godfrey de Ibelin (um excepcional Liam Neeson, grande presença na tela), parte em companhia do pai em busca da cidade de Jerusalém, onde irá se transformar em um cavaleiro, se envolverá com a princesa local, Sibylla (Eva Green, de Os Sonhadores, belíssima e talentosa, mas sem chance alguma, já que seu relacionamento com Balian é totalmente descartável) e onde liderará o exército local contra a ofensiva muçulmana.
É justamente quando Balian chega a Jerusalém que o filme perde seu rumo e torra a paciência do espectador. A disputa por terras e riquezas entre egos inflados e ambiciosos já foi retratado com muito mais detalhismo e coesão em filmes até bastante recentes, como “A Rainha Margot”, que não é sobre o mesmo tema, mas que afinal acaba servindo ao mesmo propósito. É nesta parte do filme que vemos também duas das atuações mais canastras de todo o filme: de Brendan Gleeson (como Reynald) e a de Marton Csokas (Guy de Lusignan), histéricos, contrastando com a simplicidade e elegância de dois dos maiores atores da atualidade, Jeremy Irons (Tiberias) e Edward Norton (o leproso rei Balduíno IV).
Nessa direção de atores confusa, dá para se perceber o quanto perdido Scott esteve ao comando desta produção. Enquanto a cinematografia de John Mathieson (O Fantasma da Ópera) explora tons frios durante a primeira parte de projeção, para ir se tornando mais quente com a proximidade da batalha (com locações no Marrocos e na Espanha), em um trabalho magistral, as cenas de guerra são mal resolvidas (mesmo que bem planejadas) e com figurantes (ou CGI, o que seja) perdidos em cena. Cortes rápidos e abruptos também não ajudam muito, já que já vimos algo parecido e mil vezes mais bem feitos na trilogia O Senhor dos Anéis.
Resta elogiar o desfecho nada glorioso, que permite um único momento de reflexão e que mostra que, mesmo com o passar do tempo, a fé (ou aqueles que se dizem ser lideranças da fé) ainda provoca os grandes conflitos por quais passamos.
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