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Críticas

Cineplayers

Competente e mais adulto e sério que o anterior, ainda que alguns personagens fiquem devendo profundidade.

7,0

Lançado em 2005, As Crônicas de Nárnia: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa chegou aos cinemas com a ingrata responsabilidade de assumir o lugar deixado por O Senhor dos Anéis como grande série de fantasia do cinema. Menos por esta pressão e mais por seus próprios problemas, como um tom excessivamente infantil e personagens sem apelo, o filme não chegou a empolgar, mas teve um bom desempenho nas bilheterias, o suficiente para o lançamento de uma continuação também baseada na obra do britânico C. S. Lewis.

As Crônicas de Nárnia: Príncipe Caspian tem início um ano após os acontecimentos da primeira produção. Os quatro irmãos Pevensie tentam se readaptar à vida na Inglaterra quando são chamados de volta à terra mágica de Nárnia. Chegando lá, descobrem que 1300 anos se passaram e a situação é bastante diferente: os Telmarinos, liderados pelo cruel lorde Miraz, praticamente dizimaram o povo de Nárnia. Cabe aos irmãos, ao lado de Caspian, herdeiro real do trono Telmarino, liberar os narnianos e restaurar a paz.

Escrito pelo próprio diretor Andrew Adamson (também responsável pelo primeiro), ao lado de Christopher Markus e Stephen McFeely, Príncipe Caspian é um esforço digno e que mantém viva a série. Ainda que boa parte dos problemas do filme anterior continuem vivos e incomodando, a evolução em certos elementos é nítida, deixando esperança pelo que pode vir nas próximas produções. O principal dos acertos é a leve mudança de tom entre O Leão, a Feiticeira e o Guarda e o novo Príncipe Caspian. Se antes a balança pendia quase para o conto de fadas, sem qualquer sensação de ameaça, agora a abordagem é muito mais próxima de, por exemplo, O Senhor dos Anéis, com batalhas mais intensas e uma trama que realmente transparece um certo perigo para o povo de Nárnia.

Mas as semelhanças com a obra de Peter Jackson não param por aí. Muito da forma como Adamson filma Príncipe Caspian parece retirado diretamente da trilogia da Terra-Média. Cenas como os planos aéreos com os personagens cavalgando em planícies, o excesso do recurso em câmera lenta e momentos como os cavalos no rio remetem ao trabalho de Jackson. Ainda que estas seqüências funcionem dentro do contexto de Príncipe Caspian, é inevitável que o filme acaba perdendo um pouco da identidade, tornando-se uma espécie de primo pobre de O Senhor dos Anéis.

No entanto, é injustiça afirmar que o trabalho de Adamson não tem méritos por si só. Com maior domínio da técnica cinematográfica (antes de O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, havia dirigido apenas animações), o diretor constrói uma obra muito mais fluida que o anterior e jamais cansativa, mesmo com quase duas horas e meia de duração. Ao mesmo tempo, Adamson cria cenas de batalha incrivelmente mais empolgantes e bem filmadas que qualquer momento do original. A longa seqüência na qual os telmarinos tentam invadir o refúgio do povo da Nárnia é muitíssimo bem realizada, intercalando instantes de ação com outros de criatividade e deleite visual, como a “armadilha” do buraco no chão.

O principal defeito de Príncipe Caspian, porém, é exatamente o mesmo de O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupas: o fraco desenvolvimento de personagens. Todos, desde os quatro irmãos até os ratinhos mosqueteiros, não passam de meras caricaturas, seres unidimensionais que despertam pouquíssima ou nenhuma identificação com o público. As relações entre eles propostas pelo roteiro, da mesma forma, são igualmente mal construídas, jamais saindo da superficialidade e do óbvio, como o infantil desentendimento entre Peter e Caspian (que deveriam ser os nobres líderes, mas parecem dois garotos imbecis) e o apressado romance entre Caspian e Susan.

Muito disso deve-se, também, à falta de talento do elenco. Os atores que interpretam Caspian, Peter, Edmund e Susan não possuem qualquer alcance dramático ou domínio dos personagens e nunca convencem como líderes a serem seguidos. A inexpressividade é tanta que alguns momentos chegam a ser risíveis, como quando Ben Barnes (Caspian) dá gritinhos ao falarem de seu pai. Uma coisa leva a outra: atores fracos, personagens rasos, relações superficiais, falta de emoção. O mesmo vale para Sergio Castellito, no papel do vilão, que jamais consegue criar um antagonista interessante ou mesmo ameaçador.

Os poucos destaques do elenco ficam por conta de Georgie Henley, como a pequena Lucy, e Peter Dinklage, como o também pequeno Trumpkin. Henley, assim como no primeiro filme, não chega a desenvolver sua personagem, mas ao menos possui boa presença em tela e inegável carisma. Dinklage, que já provou seu talento em filmes como O Agente da Estação, confere densidade ao sisudo, mas nobre anão, tornando-se o único personagem levemente tridimensional de Príncipe Caspian. Já os respeitados Tilda Swinton e Liam Neeson retornam em papéis com pouco tempo em tela: ela, em uma aparição totalmente desnecessária; ele, novamente como o sábio e messiânico Aslam.

O leão divino, aliás, é outro dos problemas do filme. Sumido durante a maior parte da projeção, Aslam surge inexplicavelmente em um momento crucial para salvar Nárnia. Por onde ele andava? Por que demorou tanto para aparecer? A impressão que fica é a de que os roteiristas não sabiam como virar o jogo em favor dos mocinhos e trouxeram Aslam de volta. Além disso, o roteiro ainda tem outros problemas, como a sensação de falta de continuidade: de uma hora para outra, Caspian, que jamais conhecera Nárnia, guia os irmãos na “fortaleza” escolhida, como se fosse veterano ali. E, claro, como não poderia deixar de ser, há diversas piadinhas, geralmente sem graça, mal-colocadas em momentos que deveriam gerar tensão.

Com efeitos especiais irrepreensíveis, As Crônicas de Nárnia: Príncipe Caspian é, no geral, um competente filme de fantasia e um interessante novo capítulo à série. Andrew Adamson consegue fazer o espectador acreditar naquele mundo, ainda que a jornada íntima dos personagens fique devendo – e muito. No entanto, é uma obra mais digerível, adulta e séria que a anterior. Pode não ser muito, porém, é mais um passo no caminho certo.

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