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Críticas

Cineplayers

Muitos efeitos especiais, pouca magia.

4,0

As Crônicas de Nárnia, série de filmes adaptada da obra de C. S. Lewis, nasceu fadada ao fracasso. As produções surgiram por nenhum outro motivo senão gerar lucros para a Disney, que tentava ganhar a sua parcela no gênero fantasia, valorizado pelo imenso sucesso de O Senhor dos Anéis e pelas aventuras de Harry Potter. A saga dos irmãos Pevensie em um reino mágico, no entanto, jamais conseguiu se igualar a seus dois “primos”, tanto em termos de renda quanto de qualidade (a série do bruxinho teve sua cota de filmes ruins, mas também trouxe outros muito bem trabalhados). Dessa forma, e após o desempenho mais fraco do segundo episódio nas bilheterias, as versões cinematográficas de As Crônicas de Nárnia pareciam mortas e destinadas ao esquecimento.

Mas nada morre em Hollywood quando ainda pode gerar certa quantidade de notas verdinhas. E foi o que aconteceu com a série. Sem interesse em dar prosseguimento aos filmes, a Disney vendeu os direitos à Fox, que deu sinal verde à produção deste As Crônicas de Nárnia: A Viagem do Peregrino da Alvorada (The Chronicles of Narnia: The Voyage of the Dawn Treader, 2010), terceiro e, disparado, o pior capítulo da saga. Não que os dois primeiros exemplares de As Crônicas de Nárnia tenham sido qualquer coisa perto de um grande filme. Não eram. Mas eram, isso sim, aventuras bastante eficientes, que acertavam na criação deste mundo mágico e traziam histórias decentes, valorizadas por bons efeitos e boas cenas de ação. A Viagem do Peregrino da Alvorada, por sua vez, falha em praticamente todos os aspectos, mostrando-se incapaz, inclusive, de fazer a plateia se interessar por personagens que já conhecia.

Quem está no comando, desta vez, é o irregular Michael Apted, assumindo a posição antes ocupada por Andrew Adamson. A mudança foi desastrosa. Por mais que não seja um grande cineasta, Adamson foi capaz de equilibrar de maneira eficiente o aspecto visual e uma história capaz de prender a atenção, entregando filmes que funcionavam como diversão. Michael Apted, porém, comprova novamente ser um diretor extremamente limitado (difícil apontar qual foi o seu último filme realmente bom) ao apresentar uma produção sem qualquer estrutura narrativa e que não parece ter a menor intenção de construir um enredo minimamente coeso – culpa que cabe, ainda, aos roteiristas Christopher Markus, Stephen McFeely e Michael Petroni, os dois primeiros também responsáveis pelos textos das duas outras obras.

A Viagem do Peregrino da Alvorada já começa de forma abrupta, jogando os irmãos Pevensie e um primo no reino de Nárnia sem maiores explicações ou apresentações. Este fato até não seria problema se a história se desenvolvesse de forma satisfatória nas duas horas seguintes, o que não ocorre. O filme segue sem qualquer lógica ou foco, desenvolvendo-se sobre uma série de acontecimentos que surgem na tela totalmente desconexos de uma estrutura narrativa. A história parece não ter objetivo, com as cenas simplesmente sendo jogadas na tela sem a intenção levar a um destino, como a captura deles em uma cidade que parecia abandonada e a aparição dos nanicos de pés grandes. Falta a A Viagem do Peregrino da Alvorada um esqueleto de narrativa, uma jornada mais clara de A até B, o que acaba fazendo o filme parecer uma imensa bagunça.

Mas o foco não é o único problema do roteiro. A pouca trama que ainda existe é repleta de furos de lógica – mesmo uma lógica rasa como a que é exigida para uma produção deste tipo. Por exemplo, próximo ao final do filme um personagem cai em um pedaço de terra no meio do mar. Porém, na cena seguinte, de forma inexplicável, ele está em uma ilha, na qual realiza uma tarefa que salva seus amigos. E o que diabos era, afinal, a tal da fumaça verde? Por que ela roubava as pessoas? O que significa ser “O Mal”? Parece que os roteiristas pediram dicas para Damon Lindelof e Carlton Cuse, pois a fumaça entra e sai sem a menor explicação sobre o que verdadeiramente representa, exatamente como a dupla trapaceou com milhões de fãs em Lost.

Como se não bastasse, o roteiro também se revela extremamente pobre no que diz respeito ao desenvolvimento dos personagens. Um dos grandes problemas da série sempre foi a inexpressividade e a  falta de carisma dos protagonistas (com exceção da garotinha Georgie Henley, os outros atores mirins são fraquíssimos). Em A Viagem do Peregrino da Alvorada, os dois irmãos mais velhos são praticamente esquecidos, o que daria a oportunidade de se focar mais em Edmund e Lucy, tornando-os mais agradáveis. Infelizmente, tudo o que os roteiristas conseguem fazer em termos de desenvolvimento é dar um subenredo ridículo para cada um deles: Lucy quer ser bonita como a irmã e Edmund é tentado pelo ouro. O problema é que isso aparece de forma superficial, com tais conflitos sendo resolvidos com a mesma velocidade que surgiram – e, de quebra, são completamente esquecidos pela trama logo após.

Na realidade, o único arco dramático (se é que se pode chamar disso essa coisa que o filme apresenta) é o de Eustácio, que começa como um garotinho mimado e é modificado pelo reino de Nárnia. No entanto, a transformação do personagem jamais convence, sendo realizada de uma hora para outra, sem uma evolução gradual. Para piorar, o garoto, provavelmente pensado como o alívio cômico do filme, é insuportavelmente irritante, reclamando de tudo o que vê, e não consegue gerar uma única risada. Poucas coisas são mais dolorosas do que assistir um filme com um personagem 100% irritante e é exatamente isso o que acontece em A Viagem do Peregrino da Alvorada no caso de Eustácio.

O que poderia sobrar de bom, então, seria o aspecto visual do filme. No entanto, A Viagem do Peregrino da Alvorada traz muitos efeitos especiais e pouca magia. Ou seja, o reino de Nárnia jamais se torna tão crível ou interessante quanto nos capítulos anteriores. Nas mãos de Apted, o lugar mágico de antes é extremamente enfadonho e repleto de criaturas que não parecem pertencer ao local (como os já citados saltitantes do pé gigante). De quebra, os efeitos especiais são surpreendentemente irregulares para uma produção dessa magnitude: se o ratinho e Aslan convencem, por exemplo, as vezes em que a fumaça verde aparece dá a impressão de que o espectador está assistindo a um filme amador dos anos oitenta.

Também repleto de clichês e diálogos pobres, a Viagem do Peregrino da Alvorada ainda assume de vez a sua pregação religiosa na sequência final, quando o leão Aslan diz que possui outro nome na terra deles e o mar se parte em dois. Neste momento, porém, a plateia já está tão perdida com tudo o que viu até ali que nem dá mais atenção ao que está acontecendo. Por isso, talvez, o clímax com a serpente pareça razoavelmente divertido. Difícil saber. Assim como é difícil saber se haverá um novo capítulo de As Crônicas de Nárnia. Jamais duvidem de Hollywood.

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