Crime Sem Saída (21 Bridges, 2019) é uma experiência no mínimo interessante de se assistir. Primeiro de tudo, é o primeiro projeto dos irmãos Anthony e Joe Russo após comandarem Vingadores: Ultimato (Avengers: Endgame, 2019), o filme de maior bilheteria da história, participando aqui como produtores. Do mesmo filme também sai Chadwick Boseman, lançado para o mundo por interpretar o herói Pantera Negra (Black Panther, 2018), entrando como protagonista do filme. O ator compartilha a tela com Stephan James (Se A Rua Beale Falasse, 2018), Sienna Miller (Sniper Americano, 2015), JK Simmons (Whiplash - Em Busca da Perfeição, 2014), Keith David (Eles Vivem, 1988) e Taylor Kitsch (John Carter - Entre Dois Mundos, 2013), nomes que os roteiristas Adam Mervis (O Garoto de Ouro, 2014) e Matthew Michael Carnahan (Guerra Mundial Z, 2013) e o diretor Brian Kirk (Game of Thrones, 2011-2019, The Tudors, 2007-2010) nitidamente se esforçaram para fazer jus.
Dito isto, Crime Sem Saída não é um filme ruim ou medíocre. A história de como o metódico e sincero inspetor policial André Davis (Boseman) fecha a ilha de Manhattan para caçar uma dupla de ladrões assassinos de policiais acompanhado pela inspetora da DEA Frankie Burns (Miller) demonstra um gatilho no mínimo instigante, com Michael Trujillo (James) revelando-se um bandido com consciência pesada e desconfiando que foi vítima de algo maior do que consegue compreender, desconfiado por, ao roubar alguns quilos de cocaína, descobrir um lugar com centenas de sacos do produto e ter de evitar uma visita coincidente de dois policiais.
Como protagonista, Andre Davis mostra-se o nêmesis perfeito para os dois bandidos, sendo capaz de deduzir quais serão os próximos passos de Trujillo e seu seu parceiro Ray (Kitsch). Boseman pode incluir outro bom protagonista na sua carreira, interpretando um tipo heroico mas também imperfeito em sua maneira inflexível e pouco afável de lidar com os outros. Se o filme funciona enquanto s uspense policial, é por causa dele, que transmite confiança cênica de se agarrar ao objetivo da trama com unahs e dentes.
Porém, o filme logo esbarra em dois problemas principais: primeiro, um excesso de conveniências narrativas. É curioso como a primeira testemunha que Davis interroga já entrega o nome dos bandidos, onde costumam se refugiar, o passado dos dois como militares veteranos expulsos do exército e afins. Davis também é descrito como um policial que caiu em desgraça por disparar em suspeitos sem hesitar, mas é claro que o Trujillo, capaz de solucionar o caso, jamais será vítima de um disparo do protagonista. É um suspense que funciona da primeira vez, mas já na segunda encenação de impasse já sabemos qual será o desenlace. Não falta nem o morto que, nos últimos suspiros, consegue sobreviver tempo o suficiente para contar uma informação vital.
O segundo problema é, talvez pelo número de talentos envolvidos, a verdadeira paixão que o roteiro tem por protagonistas explicando motivações. Várias das cenas centrais dos filmes são dicursos, seja o chefe de polícia interpretado por Simmons lamentando pela vida dos seus comandados, ou Davis explicando a forma traumática como perdeu o pai, entre outros exemplos, temos inúmeras exposições e expiações dos protagonistas, e muito pouco na obra é deixado nas entrelinhas da interpretação, do trabalho de dinâmica de personagens dando a entender motivações e estados emocionais. Aqui, o contrário: tudo deve ser explicado, o que parece revelar uma mão algo pesada do roteiro.
Além disso, não conseguimos escapar a sensação de que tudo que vemos aqui, já vimos antes e melhor. A perseguição pelas ruas da cidade com carros desviando e perseguição a pé no metrô é típica do gênero, uma versão menos alucinada que filmes clássicos como Bullitt (1968), Operação França (The French Connection, 1971) e Ronin (1998), sem jamais apresentar um risco real para transeuntes ou carros: parecem apenas dois homens enfrentando uma prova de obstáculos, o que frustra um tanto pela falta de fisicalidade nessas cenas, que tenta driblar isso com alguns momentos mais "acrobáticos", por assim dizer, que destoam do resto da narrativa.
Mas se tudo que já vimos de forma parecida (até uma reviravolta tardia), não necessariamente aqui se torna sacrilégio ou demérito. Afinal de contas, o roteiro consegue trabalhar um protagonista e um antagonista que não se odeiam, até se compreendem, mas foram colocados em pontos opostos pelas circunstâncias. O jeito frontal, sem meias palavras e pouco emotivo do protagonista o colocando em rota de colisão com outros personagens mais flexíveis gera alguns diálogos interessantes sobre um protagonista que acredita fazer o certo e que justamente por isso é considerado uma anomalia para outros.
Aliás, isso também pode ser levado a questionar ainda que, de maneira um tanto artificial, ele também saiba disparar números sobre Manhattan em velocidade quase vertiginosa e fazer conclusões que pessoas com cargos até maiores (como agentes do FBI) nem imaginam, mas dado ao carisma do personagem, isso acaba passando pois sabemos estar frente à um policial diferente. Isso coloca o filme em uma certa sinuca de bico se estamos lidando com protagonistas mais verossímeis ou acreditáveis — digamos, um Miami Vice (2006) da vida — ou personagens mais fantasiosos que sacrificam realismo em nome da diversão, como uma espécie de Sherlock Holmes (2009). No final fica uma salada indigesta, pois ao mesmo tempo que é para se ter o entretenimento da investigação, há também uma tentativa de dramaticidade sobre a vida dura de alguns habitantes de Nova York. Simplesmente são dois mundos que dificlmente parecem se casar.
Crime Sem Saída no final das contas se revela como um filme policial passável, não examente memorável (tudo, até as artes de divulgação, aludem a quase um filo de filmes similares encontrados aos borbotões em catálogos de streaming) mas que soube tratar os personagens com intérpretes famosos em estereótipos que funcionam em suas dinâmicas de personagem, que acabam sendo seu diferencial mínimo, já que a trama de investigação passa por muitas facilidades e a condução de tensão, suspense ou violência sendo um tanto esquecível e até um tanto similar à maneira de se conduzir ação física nos dias de hoje.
Se os Russo e Boseman quiseram exercitar um flerte com um gênero, a obra está de bom tamanho, com uma cena final corajosa, onde o protagonista conquista o objetivo mas com um gosto amargo na língua, mas que jamais transcende suas boas qualdiades em algo realmente grandioso por se entregar a inúmeros vícios. Os nomes ajudam e dignificam, mas também não examente salvam. Se a equipe não està altura de elenco e produtores, há de se reconhecer o esforço que, mesmo esbarrando em um excesso de auto-importância e certa falta de risco ululante, em entregar uma obra com personagens tridimensionais e interessantes que seguram a atenção até o final. Mas a sensação de que poderia ter sido mais é quase inevitável.
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