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Críticas

Cineplayers

Tudo nos ombros de Josef.

5,0
É estranho observar a abrangência popular de um título como Creep, um terror mais curioso que necessariamente assustador de 2 anos atrás. Sem passar pelos cinemas, o filme adquiriu um status cult que permitiu uma continuação a ganhar vida. Sabendo do impulso e a visibilidade que o original tinha alcançado, a Netflix preparou esse segundo encontro com o psicopata sincero Josef, vivido por Mark Duplass, que já tinha fãs ardorosos aguardando a estreia desde o anúncio da produção, num processo muito veloz de assimilação de uma... 'marca', porque não? Sem saber necessariamente o que o público queria de volta, o roteiro constrói uma outra personagem espelho ao de Duplass, que expande o discurso do mesmo às raias do inesperado. Mas é curioso observar que mesmo um produto livre da obrigação do retorno financeiro claro e imediato como é uma produção exclusiva de um canal de streaming sofre de uma certa observação sobre o politicamente correto, tirando um tanto de naturalidade e injetando ao mesmo tempo uma ironia fina, talvez num contraste provocado.

Numa estrutura de câmera na mão, que é constantemente manipulada por um dos dois personagens do filme, não se trata de mais um 'found footage' (a técnica que Atividade Paranormal ajudou a difundir e divulgar no cinema), mas sim de um falso documentário - o 'mockumentary' - que justamente irá unir os dois perdedores protagonistas, uma pretensa cineasta que ganha a vida com uma webserie no YouTube assistida por quase ninguém e um serial killer em crise existencial após 40 assassinatos. Como ambos estão em momento de acerto de contas com suas trajetórias, acabam se unindo depois que o assassino propõe a ela um trabalho imperdível: acompanhá-lo por 24 horas, e então filmar sua morte. Seria um grande final pra ele e um grande começo para ela, e ambas as histórias seriam resolvidas. Mas óbvio que nada é tão certinho assim no que contam os personagens, um ao outro e também ao espectador.

Mas o filme meio que decalca a estrutura de ação do primeiro, o serial killer Josef e sua vítima da vez, em ambos os casos cinegrafistas que se prestam ao sadismo de filmar um louco. Se no primeiro Aaron ia atrás de um anúncio de classificado simples, dessa vez a obstinada Sara tem apenas em mente deslanchar como YouTuber. Como o recorte é bem parecido, caberia ao diretor Patrick Brice jogar molho em Josef, que não podemos negar que seja um assassino cheio de carisma. Seduzindo público e futuras vítimas com uma desconcertante sinceridade, o trabalho de Duplass é memorável e se refina aqui, porque o personagem se encontra no auge da elegância e da lábia, apesar de tudo. Os problemas provenientes de Creep 2 não são nunca da ordem dele, que faz um trabalho exemplar e consegue mais uma vez uma interessante parceria, agora com Desiree Akhavan a química se repete e logo o jogo entre eles se mostra sedutor uma vez mais, com o plus de que Josef anuncia a própria morte de cara.

O que o ator Mark Duplass faz de especial pelo filme, o roteirista Mark Duplass desfaz. Escrito de novo a quatro mãos junto do diretor, o ato de repetir o arco poderia até não ser um problema tão grande se ao menos o combo direção + roteiro não parecesse tão perdido entre o que querem contar e o que precisam contar. Sem uma estrutura de planos minimamente interessante, a direção de Brice se não é burocrática com todas as letras, também não alimenta nenhuma discussão longa. Uma cena de nu frontal parecia apontar para um esforço de falar além do que a trama precisa, mas essa cena surpreende o espectador tão rapidamente quanto se mostrar não tão adequada, já que no minuto seguinte a esse esforço o filme tem uma virada machista e até ligeiramente misógina em relação a personagem Sara; triste é perceber que em tempos politicamente corretos, a equipe do filme com certeza o vê da forma mais correta possível, quando o cerceamento dos direitos iguais aos personagens diz exatamente o contrário. Aos poucos, mesmo a situação envolvendo a coragem de Sara (a personagem não tem medo de nada) depõe contra uma das metas desse tipo de filme, que é gerar medo. Quando a vítima não sente, porque o espectador sentiria?

No fim das contas, essa aparente franquia do maníaco Josef parece apenas contribuir para a manutenção do talento como ator de Mark Duplass do que outra coisa qualquer. Do primeiro filme, restou a novidade e a apresentação do personagem principal; desse segundo, a manutenção desse mesmo personagem. Do conjunto dos dois, não consigo salvar uma narrativa necessariamente excitante ou uma pegada mais original que justifique a empolgação geral. Resta um excelente personagem, que merecia algo além do que as emoções baratas que o gênero oferece tão facilmente e que nesse segundo nem são uma constante. Se tem algo muito curioso a se observar nas duas partes é a absoluta torcida que o espectador empreende por um homem que de fato é o vilão, pois no fim das contas ele é a fonte inesgotável de charme do produto.

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