O massacre de Corumbiara revelado por material coletado durante duas décadas.
A questão indigenista no Brasil é complicada. Durante o governo militar, a reserva Corumbiara, no sul de Rondônia, foi leiloada e adquirida por fazendeiros paulistas. Em 1985, um grande massacre acontece contra os índios que viviam isolados na região, tudo isso para o crescimento dos negócios de pecuária e plantação de soja dos grandes proprietários de terra. O documentário de Vicent Carelli investiga os visíveis vestígios desse massacre, ignorado até hoje pelos fazendeiros e pela própria FUNAI (Fundação Nacional do Índio).
O rico material que compõe Corumbiara foi coletado no decorrer de 20 anos (1985-2005), tempo percorrido pelo documentário para mostrar a ineficácia da luta pelos direitos do índio, que tem suas terras tomadas e acabam sendo mortos. Isso porque se não há prova da existência deles, os fazendeiros não encontram dificuldades para aumentar seus hectares de terra produtiva.
Corumbiara é um longa-metragem sobre o descaso. O direito do índio foi durante muito tempo ignorado pelo Estado, e ainda é ignorado pela sociedade, pelos próprios órgãos que os defendem e pela mídia. Na primeira incursão do cineasta pelas terras à procura de índios, uma equipe do jornal paulista O Estado de S. Paulo o acompanha e o encontro com indígenas é noticiado tanto pelo periódico quanto pelo programa Fantástico, da TV Globo. O maior problema é que a força das elites sobre os meios de comunicação no Brasil mostrou sua faceta e, em seguida, a versão de que o documentarista havia inventado a existência daqueles índios – devidamente fotografados – foi retratada pelo próprio jornal e aceito como verdade pelos meios de comunicação e pela opinião pública em geral, o que colaborou para enterrar a história e tirar toda a visibilidade sobre os crimes que aconteciam na região.
Assim, o tom de tristeza, mais pela decepção com a própria sociedade incapaz de olhar para seus próprios problemas do que pela retratação sóbria e estritamente profissional dos fatos, toma conta do narrar de Corumbiara. A luta do diretor para ser o porta-voz dos índios comove pela ineficácia de sua investigação, muito por conta da complacência de órgãos que deveriam auxiliá-lo. Segundo o próprio diretor, a única ajuda real veio do poder judiciário do Estado de Rondônia.
Recentemente, o Brasil começou a pagar sua dívida histórica com os povos indígenas. O STF (Supremo Tribunal Federal) votou pela demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, afastando de lá os arrozeiros que poderiam, aos poucos, repetir o massacre ocorrido em Corumbiara. Por mais que já tenham passado por um processo de colonização, a preservação da cultura indígena é um meio para manter viva a história do país. Enterrar o passado não é a melhor forma de trazer progresso à nação, ainda mais se essa forma progressista estiver atrelada ao descaso com o meio ambiente – como mostra Carelli em seu documentário.
Em Corumbiara algumas passagens em especial chamam a atenção. O encontro entre a equipe do filme com as duas índias é uma delas. O momento é de uma riqueza histórica ímpar, já que proporciona acompanhar como talvez tenha sido o contato entre portugueses e índios há tantos anos. A dificuldade em se comunicar, a conversa gestual, o toque, tudo parece retratar a história do Brasil. Fora isso, revolta ver os argumentos do advogado dos latifundiários, as insinuações de que aqueles índios não existem, sem se dar conta de estar falando com quem produziu as imagens daquele povo. O lado humano de Carelli é o que mais se destaca, principalmente sua luta para conseguir captar imagens de um índio hostil, que precisa ser registrado para existir legalmente aos olhos da polícia e, assim, poder ter sua vida salva.
Corumbiara só é um pouco alongado, mas isso não chega realmente a prejudicar o filme. Poderia ser menos extensa a parte em que o cineasta foca alguns costumes indígenas, pois foge da tônica de denúncia do descaso das autoridades e da busca pelo reconhecimento da existência daquele povo. A cultura do índio em si poderia ficar para uma outra história, bastava aqui o choque cultural inicial. Mas, no todo, o longa-metragem é um retrato importante do esquecimento da população por essa parte do povo que integra a sociedade, talvez, porque, muitos não considerem o índio como parte da sociedade brasileira quando, na verdade, eles são a base da cultura nacional.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário