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Críticas

Cineplayers

Dramatização de caso real envolvendo a luta de coronel norte-americano que previu o ataque japonês a Pearl Harbor duas décadas antes dele ocorrer.

8,0

A Corte Marcial de Billy Mitchell é a história de um outsider dentro do sistema, ironicamente jogado a essa condição por conservar o mais puro idealismo. O personagem-título (interpretado por Gary Cooper) é o que de mais alto e respeitável se pode aspirar dentro das Forças Armadas: general condecorado e herói de guerra, de boa estirpe (seu pai também fora valoroso militar), William Mitchell é o mais idealista dos heróis premingerianos, e sua história de danação foi por não conseguir se manter em acordo com a obediência cega e um tanto conivente dos seus superiores e colegas militares, que acreditam que aviões são uma arma bélica de pouca importância para os combates do futuro, julgando eles que uma próxima grande guerra que estivesse por vir seria decidida através da infantaria (estamos no período entre guerras, em 1921). Hoje em dia, oitenta anos depois, pode parecer risível e um tanto datado o tema central do filme, mas o que nos interessa compreender é justamente o quão estúpidas são as mentalidades mais tacanhas e a falta de visão dos que insistem em não reconhecer as evidências que marcam a passagem do tempo para um futuro próximo.

No começo, Billy Mitchell consegue autorização para formar uma pequena equipe de testes, com ele próprio pilotando um avião no intuito de bombardear e afundar um dos navios colocados a sua disposição para comprovar suas teorias. Seus gestos, entretanto, são interpretados como ambição própria por uma glória particular, e para que os testes não tenham andamento, o militar é rebaixado e afastado de seu esquadrão, e finalmente transferido para uma localidade no Texas.

É uma história de convicção, de um homem que visa evitar o sacrifício de vidas e derrotas futuras de seu país. Vê os aviões como uma arma nova, gigantesca, a maior do mundo, sonhando em dotar a nação com uma força aérea forte e organizada. Recusa um envolvimento político com candidatos que, pensando em interesses eleitorais, se oferecem para ajudá-lo. Sua obstinação o leva a viajar de volta a Washington, onde perambula por escritórios burocráticos, todos se negam a recebê-lo, até que, ao saber que um jovem oficial amigo seu, o comandante Zach Lansdowne (Jack Lord), se torna mais um dos seus companheiros a morrer em um trágico acidente aéreo que poderia ser evitado, resolve chamar a imprensa para declarar publicamente a pouca competência e negligência do Departamento de Guerra.

Que fique claro que esse não é um filme de Preminger contra as forças armadas, porque Billy Mitchell é um personagem que em nenhum momento está contra a instituição. Os seus esforços residem na tentativa de transformá-la, em melhorá-la, seguindo um princípio parecido com aquele de que as coisas precisam mudar para que possam continuar como estão. Os demais oficiais é que o enxergam como um traidor, convertendo-o em um adversário e o acusando de indisciplina e de desacreditar as Forças Armadas do próprio país.

A defesa do coronel Mitchell se baseia no argumento de que os seus atos eram justificados pelas más condições da força aérea, que precisavam ser renovadas, ao passo que a promotoria insiste na lógica de que os motivos das declarações não interessam em nada no processo, a simples atitude em si já era desacato o suficiente para uma punição.  No entanto, o testemunho de Margaret (Elizabeth Montgomery) ─ a viúva do jovem oficial ─, quando ela declara que o marido morto também enviara cartas e fizera declarações em vão sobre as condições arriscadas dos aviões das forças norte-americanas (e que só não recusara voar na fatídica data por ser jovem demais para ser insubordinado), torna inevitável uma investigação mais aprofundada da corte com o depoimento de outros oficiais, que também garantem que a maioria dos acidentes e mortes com jatos militares eram em decorrência da defasagem dos veículos e que as próprias Forças Armadas pouco se preocupavam com os aviões na espera que em breve não existissem mais.

Preminger costuma ser lembrado como o realizador de um dos melhores filmes de tribunais da história do cinema, Anatomia de um Crime (Anatomy of a Murder, 1959), mas em outros dois de seus trabalhos também utiliza os espaços fechados dos debates de um Congresso (Tempestade Sobre Washington [Advise & Consent, 1962]) e do processo militar de A Corte Marcial de Billy Mitchell como palcos privilegiados onde garante a tensão dos melhores filmes de julgamento. São obras que buscam uma ampla exposição para um melhor equilíbrio dos mais diversos pontos de vista, noção essa que alcança o cume máximo nos instantes finais da corte militar, possivelmente os momentos de maior densidade acumulada já vista em um filme de tribunal. Trata-se do confronto entre Billy Mitchell e um dos advogados do exército interpretado por Rod Steiger, estrategicamente deixado de fora do filme até ali para que sua aparição no desfecho tivesse um impacto quase avassalador. As atuações de ambos os intérpretes são de uma dedicação e complexidade assombrosas. São praticamente duas grandes forças em colisão no mesmo plano, com as duas diferentes escolas na arte de representar ameaçando explodir com o filme pelo excesso de energia: a escola clássica, encarnada por Gary Cooper, e a moderna, saída diretamente do Actor’s Studio (da qual Steiger era um dos representantes mais notáveis). Os dois parecem tão obcecados em atuarem no modo dos seus habituais estilos de representação quanto seus personagens estão empenhados em vencer o duelo verbal na tentativa de destruir a consciência do outro. Preminger pensa toda essa longa sequência final a partir de uma estratégia de confronto, no qual em cada plano a câmera é posicionada de forma a atacar Cooper debaixo das perguntas loquazes de Steiger. É justamente quando o personagem central revela a sua previsão de que a base aérea de Pear Harbor seria bombardeada pelos japoneses (quase vinte anos desse acontecimento realmente ocorrer), o que ocasiona o descrédito total do velho coronel.

Pouco antes, a vitória pela sua absolvição já era tida como certa pelos advogados, Cooper não precisaria prestar qualquer forma de depoimento. No entanto, Billy Mitchell chegara até ali não para vencer em causa própria, mas para lutar por um ideal (a aeronáutica nascente). Os segundos derradeiros, com o coronel Mitchell saindo para a vida civil, mas de cabeça erguida, despojado do uniforme militar que ostentou em todo o restante do filme (pela perda da patente por cinco anos), serve como o testemunho de sua derrota, mas o corte para velhos aviões à hélice sucedidos por modernos jatos de combate termina por fazer com que o sentimento que temos no final certamente não seja o de fracasso.

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