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Críticas

Cineplayers

Juventude sem respostas.

6,5

Estar em movimento, antes um privilégio e uma conquista, torna-se uma necessidade. Manter-se em alta velocidade, antes uma aventura estimulante, vira uma tarefa cansativa. (Zygmunt Bauman)

O plano de abertura de Cores (idem, 2013) denota o que está por vir ao longo dos 95 minutos de duração: silêncios, contemplação e falta de rumo específico são sintetizados na figura de Luca (Pedro di Pietro). O rapaz é um dos três protagonistas do longa-metragem de Francisco Garcia, juntamente com Luara (Simone Iliescu) e Luiz (Acauã Sol) e, juntos, eles fazem jus ao pensamento de Zygmunt Bauman, transcrito do blog oficial criado para a produção. O movimento constante, longe de lhes oferecer entusiasmo e respostas, funciona, antes de mais nada, como uma busca, uma fuga ou um confirmador de incertezas. Habitantes da São Paulo contemporânea, eles têm cotidianos ordinários, similares aos de tantos outros de sua faixa etária: os vinte e poucos anos.

Enquanto Luca é um tatuador que mora com sua avó, Luara trabalha em uma loja de peixes ornamentais e Luiz é funcionário de uma farmácia. Em seus respectivos ambientes, eles cometem pequenos furtos para atender às suas necessidades e mantêm diálogo direto com o fracasso ao mesmo tempo em que procuram se colocar em um mundo que parece nunca ser o lugar que desejam. Quase não conversam um com o outro e, com isso, nunca chegam a expor de verdade os problemas que enfrentam.

Não lhes falta o que dizer, mas sim como dizer. A angústia da incomunicabilidade os afeta e, mesmo sem encontrar um meio de traduzir seus sentimentos, é preciso continuar vivendo de alguma maneira, já que a vida não os espera. E segue-se o movimento, sabe-se lá para onde. Se param, são invadidos por seus pensamentos aflitivos e pela incerteza sobre tudo. É preciso tapar qualquer brecha e mascarar todo vazio, o que permite entender a desolação de Luara quando todos são obrigados a voltar para casa depois de tentar ir à praia e o carro não funcionar.  

De alguma maneira, os protagonistas de Cores se assemelham a personagens da filmografia de Jim Jarmusch, mais especificamente os de Estranhos no Paraíso (Stranger than paradise, 1984) e Daunbailó (Down by law, 1986). Ambos trazem histórias de indivíduos deslocados e de poucas palavras que cruzam os Estados Unidos sem eira nem beira sob uma fotografia em preto e branco. Também à semelhança de Jarmusch, Garcia aponta uma geração que não se vê representada pelo Cinema ou pela televisão, com seus jovens bem-resolvidos, levando vidas confortáveis e realizados graças a um alto poder aquisitivo. Luca, Luara e Luiz seguem na contramão do que se pode chamar de “sonho brasileiro”: um bom emprego, um casamento estável e uma casa espaçosa. Entretanto, Cores oferece uma análise superficial para essas questões complexas, reduzindo-se, por vezes, a uma colagem de cenas contemplativas assinaladas pelo tédio. 

O vigor subscrito à produção jarmuschiana sobre uma temática parecida não se verifica em Cores, cujo título parece uma ironia quando se pensa em sua ausência de matizes coloridos. A impressão deixada por Garcia é de um filme estiloso em seu recorte, mas com pouco a dizer sobre a inquietude que paira sobre os jovens. Essa é sua estreia na direção de longas, uma empreitada admirável, tendo em vista as grandes dificuldades que o Cinema enfrenta em nosso país. Porém, a forma se revelou mais importante que o conteúdo e, à medida que o filme transcorre, o interesse pelas aflições internas dos protagonistas vai se diluindo, por mais que seja possível se identificar com eles.

No blog oficial do filme, o realizador deixou uma nota sobre a proposta que o guiou em Cores, explicando, entre outras coisas, que “todo tempo, a busca deles é a fuga do tédio e do medo de ficar sozinho. Daí se estabelece uma relação que persiste na falta de tesão numa sociedade tomada pelo imperativo do gozo”. É uma pena que, no fim das contas, haja um descompasso entre essa descrição promissora e a sua verdadeira execução.

Comentários (3)

Thiago Lopez | quinta-feira, 09 de Maio de 2013 - 23:14

Tenho muita vontade de ver esse filme, e o comentário sobre Jarmusch só me instigou ainda mais. Parabéns pelo texto!

Patrick Corrêa | sexta-feira, 10 de Maio de 2013 - 00:16

Você também gosta de Jarmusch, Thiago? Ótimo saber disso!
Obrigado pela leitura!

Danilo Oliveira | sexta-feira, 10 de Maio de 2013 - 10:15

O texto ta muito legal...parei de ler, pra continuar depois de ter visto o filme...O cara da lanchonete de Sling Blade (Jarmusch) ta bem na fita hein? hehehehe

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