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Críticas

Cineplayers

Intenções desbotadas

3,5

Difícil imaginar um filme menos convidativo à imersão que A Cor Branca, produção mineira cuja principal característica talvez seja permanecer solitário como seus personagens, enclausurados em si. Não há qualquer aparente possibilidade de aproximação com o que se vê, sempre distanciado, com seus sons abafados que nos levam a estranhar as decisões artísticas até começarmos a perceber que muitas delas foram propositais... e entender menos ainda. O filme dirigido por Affonso Nunes não tem uma construção exatamente nova, tudo a seu redor já foi tentado e conseguido com superior resultado, mas nada o impede de tentar mais uma vez. Filmes ousados artisticamente sempre serão bem-vindos, mas o preço com a qual se banca uma originalidade não poderia ser a incompreensão.

Em cena, uma família claramente desfuncional une o que parecem ser avó, mãe e filho - a primeira presa numa cadeira de rodas, a segunda trabalhadora em uma pedreira, o terceiro um preso doméstico refém de uma tornozeleira eletrônica. Aos poucos (bem aos poucos mesmo), entendemos a mensagem sobre falência social que o filme quer passar, porém não entendemos grande parte dos diálogos do filme, que imerso no naturalismo, coloca as pessoas pra conversar em meio aos sons abafados da pedreira, ao lado de um discurso político em volume alto, entre outras cenas. A narrativa se prende então às ações, aos corpos em movimento dos atores para tentar traduzir seus pensamentos, ao todo jogo cênico criado para compor os planos, que poderia ser menos nebuloso, mas que presta a proposta apresentada.

O sistema excludente que produz cada vez mais novas exclusões em espiral poderia ser desenvolvido com esmero maior, mas apesar dessa questão estar em cena, o caráter social não pauta decisão artística; esses aspectos deveriam ser complementares e não excludentes, e um filme não deveria ser analisado de maneira paternalista. A vontade de acertar por si só não vale como um acerto, automaticamente. E o filme tem o mérito de conseguir criar uma aura de expectativa diante de seu desenrolar, diante daquele quadro de decifração exigente, e ao menos uma cena (o encontro na floresta) tem um viés enigmático positivo, que ainda mostra como essa tentativa poderia ter sido repetida. Ao mesmo tempo, enigmas precisam de uma moldura própria pra fazerem sentido, e não apenas de uma vontade do realizador.

Mas poucos pecados podem ser maior que a falta de empatia, principalmente quando ela é irrestrita. Não há qualquer construção humana reconhecível naquele ambiente, e os personagens centrais da produção (mãe e filho) não conseguem provocar qualquer maior impacto, positivo ou negativo. Ela passa incólume pelo filme quase sem destaque em sua personalidade, ele até tem foco demais, mas ali o problema talvez seja o de nunca conseguirmos entender seus motivos para tanto desamor direto, um rapaz desgarrado de resquícios humanos a quem o espectador só consegue desprezar. Essa característica pode ter sido muito bem pensada, mas a partir do momento em que o roteiro esconde seus traços mais profundos, o julgamento não consegue evoluir. 

Realizado dentro de um padrão do 'filme de autor contemporâneo', com câmera estática onde cada canto do quadro precisa ser avaliado para o entendimento do todo, Nunes não consegue demonstrar acerto nessa escolha, tendo em vista que pouco acontece dentro do espaço-campo recortado pelo realizador, apenas criando cenas longas que distraem. O filme ainda ameaça questionar temas como os médicos cubanos no Brasil, ou um núcleo de africanos que não justificam sequer suas aparições. Infelizmente um daqueles casos onde muito foi tentado e pouco foi conseguido. 

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