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Críticas

Cineplayers

O humor ácido francês entra em parceria com o alto astral brasileiro em prol de um belo drama familiar.

6,0

Há algo de exótico e mágico no Brasil aos olhos dos países estrangeiros, que os leva constantemente a procurar por aqui algum tipo de referência musical, literária, cultural, política ou até mesmo geográfica na hora de se inspirar para a realização de um filme. Por exemplo, o inglês Terry Gilliam decidiu pegar emprestada uma das nossas mais famosas canções, assim como pegou emprestado o nome de nossa nação, para compor um de seus trabalhos mais esquisitos e aclamados, Brazil – O Filme (Brazil, 1985). Pedro Almodóvar, Orson Welles e Alfred E. Green são outros que também procuraram em nosso país uma fonte de inspiração para algumas de suas obras. E a cada vez que o Brasil entra em algum tipo de parceria com outro país o resultado é único. Por isso não é de se admirar que em Copacabana (idem, 2010), novo filme do diretor Marc Fitoussi, o encontro entre Brasil e França resulte em uma obra cheia de frescor e sensibilidade, numa dosagem exata entre aquele humor ácido francês com o que há de mais misterioso e interessante na cultura brasileira.

Apesar de o Brasil físico não estar presente em momento algum nesse trabalho, parece que seu nome está sempre no ar de alguma forma. Não apenas no título, ou no anseio da protagonista de um dia conhecê-lo, ou na trilha sonora, mas também no astral do filme. Os franceses possuem um requinte de comédia que muitas vezes é interpretado como chato ou esnobe, ao contrário do que acontece nas tão malvistas comédias brasileiras, que geralmente abusam na dose de exaltação. Por isso Copacabana acaba encontrando um meio-termo entre esses dois tipos de humor e criando, a partir dessas culturas tão diferes, uma narrativa esperta e ágil que concentra em si o que há de melhor em cada uma.

O propósito é enriquecer um drama familiar entre mãe e filha, e torná-lo diferente daqueles tão constantes no cinema. Para isso, o diretor optou também por inverter a ordem de alguns clichês para esse tipo de enredo, ao colocar o fator de irresponsabilidade e rebeldia na figura materna, enquanto a sensatez fica por conta da filha, como acontece na comédia americana Minha Mãe é Uma Sereia (Mermaids, 1990). Assim, a relação das duas ganha uma dinâmica muito mais curiosa e interessante. Babou (Isabelle Huppert em grande atuação) é uma mãe solteira que nunca se preocupou com as aparências e vive como uma adolescente, vestindo-se com roupas psicodélicas e abusando dos penteados despojados. Sua filha, Esmeralda (Lolita Chammah), é exatamente o oposto; uma garota centrada e madura. A frágil relação das duas se complica ainda mais quando Esmeralda decide não convidar sua mãe para seu próprio casamento, temerosa de que Babou dê algum vexame e estrague tudo. Chocada com a atitude da filha, Babou decide então mudar de vida e amadurecer finalmente, arranjando um emprego fixo que consiste em vender apartamentos em uma praia belga em pleno inverno rigoroso.

Ao contrário das chatinhas jornadas de superação sempre mostradas nos cinemas com esses personagens que decidem mudar de vida, o desenvolvimento da trama de Babou é de uma leveza e bom gosto notáveis. Nada de melodrama ou chororô, apenas uma mulher totalmente imatura aprendendo a lidar com o fato de que cedo ou tarde é preciso crescer e encarara a vida de frente. E é justamente por isso que esse drama se mostra tão inesperadamente tocante. Seu formato cômico e alternativo abre espaço, vez por outra, para lições universais a respeito de família e de amadurecimento, sem ser piegas ou apelativo. Se de vez em quando soltam-se algumas piadas cáusticas, típicas dos franceses, por outro lado há também momentos para vários tipos de reflexão, mas sempre de uma maneira descompromissada.

Marc Fitoussi acertou em cheio ao escalar Isabelle Huppert para o papel de Babou, e fez ainda melhor ao decidir dar o papel de Esmeralda à Lolita Chammah, filha de Huppert na vida real. O fato das duas serem realmente mãe e filha proporciona uma sintonia maior e uma fluidez mais natural aos acontecimentos da trama. Isabelle, uma grande atriz que sempre aposta em personagens densos e difíceis, finalmente mergulha em um papel fora desse padrão. Por conta de sua experiência em dramas complicados ela enriquece Babou, mas ainda assim mantém seu espírito jovial. Se ela costuma constantemente nos surpreender com suas atuações viscerais, aqui ela consegue nos encantar com sua versatilidade e mostra grande conforto na pele de Babou.

Por fim, o toque brasileiro já mencionado termina por completar a gama de escolhas diferenciadas do cineasta na hora de contar uma simples história de superação. Tudo ali parece tão original e refrescante que às vezes até esquecemos que não passa de um drama familiar. Fitoussi pega emprestado do Brasil não apenas as músicas (tão amadas por Babou), mas também seu alto astral e sua leveza, que ganham forma nos desejos da protagonista em um dia conhecê-lo. Se o encontro de nossa cultura com o humor britânico de Terry Gilliam resultou em um filme estranhíssimo, como já mencionado, podemos então afirmar que essa mesma cultura ganhou força nas mãos de um francês e resultou em um grande, porém alternativo, ensaio sobre os conflitos de gerações e os laços familiares inquebráveis. 

Dentro dos limites que o próprio Fitoussi estabeleceu para seu trabalho, Copacabana faz milagres tanto no drama como na comédia. Talvez não seja forte o suficiente para ganhar notoriedade em meio a tantos filmes sendo lançados a cada semana, mas suas qualidades foram reconhecidas no Festival de Cannes e estão sendo muito elogiadas mundo afora pela crítica especializada. E quem ganha mais com tudo isso somos nós, brasileiros, que entendemos muito melhor a beleza por trás desse filme, que guarda consigo todo o charme do cinema francês e que ainda assim sabe usar nossa cultura como elemento enriquecedor. 

Comentários (2)

Bruno Kühl | domingo, 16 de Outubro de 2011 - 22:53

Que mistureba 🙂

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