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Críticas

Cineplayers

Uma das grandes obras da década de 90, ainda que praticamente esquecido.

9,0

Durante boa parte das décadas de oitenta e noventa, Robert Zemeckis foi um dos mais importantes cineastas norte-americanos. Ao contrário do que muitos acreditam, sua influência não se deveu unicamente aos avanços realizados no campo da tecnologia e dos efeitos especiais, como a interação entre desenho animado e live action em Uma Cilada para Roger Rabbit e a união entre imagens de arquivo com atuais em Forrest Gump - O Contador de Histórias. Zemeckis também criou alguns dos melhores e mais adorados filmes americanos deste tempo, como a trilogia De Volta para o Futuro e a própria história do homem que via a vida como uma caixa de chocolates.

Contato, realizado três anos após Forrest Gump, normalmente não figura entre as obras mais lembradas do diretor, o que é uma pena: trata-se de um dos melhores e mais inteligentes filmes saídos de Hollywood durante toda a última década. Baseado em uma obra de Carl Sagan, Contato conta a história de uma brilhante astrônoma, vivida por Jodie Foster, que recebe uma mensagem vinda de fora da Terra. Esta mensagem, na realidade, traz informações matemáticas que contém instruções para a montagem de uma máquina gigantesca, que pode se servir de transporte para o ser humano entrar pela primeira vez em contato com seres de outro planeta.

Engana-se quem pensa que Robert Zemeckis e os roteiristas James V. Hart e Michael Goldenberg (com o apoio de Sagan) têm como objetivo realizar apenas mais um filme recheado de ação sobre alienígenas e naves espaciais. Pelo contrário, a intenção dos realizadores com Contato é construir um retrato realista do que poderia ser o primeiro encontro entre humanos e extraterrestres, em uma história que equilibra com maestria o lado humano dos personagens com importantes discussões sobre fé e ciência. Contato é um filme capaz de entreter como poucas ao mesmo tempo em que estimula o intelecto, oferecendo uma experiência cinematográfica completa como poucas nos dias de hoje.

E isso pode ser percebido logo na primeira cena de Contato. Zemeckis leva o espectador em uma estarrecedora viagem de mais de três minutos pelo espaço, começando em nosso planeta e se afastando até muito longe. Enquanto isso, são ouvidas ondas sonoras provindas da Terra que lentamente vão se tornando mais difíceis de escutar, até longos instantes nos quais nada mais se ouve. Um início brilhante, capaz de fazer o espectador sentir toda a imensidão do universo e, ainda mais importante, o quanto o ser humano é pequeno diante desse todo. A cena ilustra com perfeição uma frase que os personagens dizem por várias vezes durante o filme: “Não sei se existe vida em outros lugares. Mas se fôssemos só nós, seria um imenso desperdício de espaço”.

Diretor com alta capacidade técnica, Zemeckis ainda cria alguns belíssimos truques visuais que ajudam a enriquecer a experiência de assistir Contato. São momentos que vão desde o simples, como a câmera “atravessando” o vidro de uma porta, até os mais complexos, como a impressionante sequência na qual a plateia acompanha a pequena Ellie subindo as escadas e abrindo o espelho do banheiro. Outro momento interessante é o plano-sequência na chegada de Ellie ao Centro de Controle após ela ouvir pela primeira vez a mensagem. Zemeckis segue a personagem desde o carro até chegar à sala, subindo escadas e passando por portas em uma cena que não apenas exibe virtuosismo técnico, como também colabora para transmitir toda a excitação daquele momento.

No entanto, por mais completo que seja em termos visuais, o grande trunfo de Contato é, indiscutivelmente, seu roteiro. Zemeckis contou com a colaboração de Carl Sagan (até a morte do autor, no final de 1996) para não deixar de fora do produto final o embate entre fé e ciência, balanceando este aspecto da trama com o lado dramático e a jornada dos personagens. E o trabalho em conjunto realmente valeu a pena. Tirando um ou outro deslize, Contato apresenta uma trama coesa e provocativa, que não teme abordar profundas questões existenciais e filosóficas enquanto funciona como uma grande aventura, mantendo o espectador sempre interessado naquilo que está acontecendo e ansiando pelo que vem depois.

Em sua essência, Contato é um filme sobre a busca de um sentido maior em nossas existências. Essa reflexão é realizada pela protagonista, a doutora Ellie Arroway. Cientista brilhante, Ellie é uma pessoa excessivamente empírica, que se recusa a aceitar qualquer possibilidade de acreditar em uma força maior como Deus – mesmo que isso possa custar a ela a maior realização de sua vida. Por essa razão, dedica-se de corpo e alma a perscrutar os céus em busca de algum sinal de fora, algo que possa trazer o mínimo de iluminação a essas perguntas. Em certo momento, Ellie responde ao personagem de Matthew McCounaghey, após ele perguntá-la por que ela aceitaria arriscar a vida ao embarcar nessa viagem: “Desde pequena sempre quis saber: por que estamos aqui? Qual o sentido? Se for para encontrar ao menos uma fração da resposta, acho que vale uma vida humana”.

E é sobre a dicotomia entre a racional Ellie e o religioso Joss (McCounaghey) que se constrói a discussão entre a fé e a religião, tema central de Contato – e que ganha uma dimensão maravilhosa com a reviravolta final. Como acreditar em algo que não se pode provar? Por outro lado, se nem mesmo a ciência consegue provar, já não seria essa uma razão para acreditar? Um dos personagens afirma que a ciência é a busca pela verdade. Mas e a religião também não o é? Será que a ciência e a fé estão essencialmente em pólos opostos ou será que podem se complementar? Unidos, não poderiam oferecer respostas mais completas às grandes questões? Em certo momento, Ellie comenta que, como cientista, precisa de evidências para acreditar em algo. Joss responde com um argumento preciso, que a deixa sem qualquer reação: “Você consegue provar que amava seu pai?”

Os diálogos, aliás, são outra qualidade de Contato. O roteiro oferece falas extremamente inteligentes e repletas de significado, tanto no sentido de fazer o espectador compreender melhor os personagens quanto no que concerne às reflexões propostas. Por exemplo, em determinado momento, Ellie está dando uma entrevista a uma emissora de TV quando ocorre a seguinte conversa:
 
 APRESENTADOR: E como você sabe as intenções deles?
 ELLIE: Acho que eles só nos pedem um pouco de...
 APRESENTADOR: Fé?
 ELLIE: Eu ia dizer “espírito aventureiro”.

Esse diálogo, aparentemente sem grande importância, é a síntese perfeita das convicções da protagonista. Em poucas palavras, o roteiro oferece uma profunda compreensão sobre quem é Ellie Arroway e no que ela acredita, tornando crível o fato de se sacrificar para encontrar as respostas que sempre buscou. O mesmo vale para a cena na qual ela está deitada com Joss, quando conta como perdeu o pai e a mãe tão cedo. Ele diz: “Deve ser difícil ficar sozinho”, uma resposta que traz a sutileza de tratar não somente de uma vida sem os pais, mas de uma existência sem a crença em algo maior, sem o conforto que a fé é capaz de oferecer.

E é impossível não se admirar com o incrível talento de Jodie Foster ao compor esta personagem complexa, profunda e real. Foster é uma atriz capaz de expressar uma imensa gama de emoções apenas com o olhar e, em Contato, ela não apenas constrói uma pessoa verdadeira em termos gerais, como também brilha em momentos específicos. Reparem, por exemplo, como a atriz expressa, através de respiração rápida e olhar irrequieto, o nervosismo antes de ser chamada para discursar após o presidente. Mas a cena na qual Foster demonstra como é, de fato, uma das maiores atrizes das últimas décadas é o inquérito após a “viagem”. Ali, a atriz está nada menos que espetacular, transmitindo toda a emoção que a experiência teve para a personagem enquanto se vê obrigada a confrontar tudo aquilo no qual sempre acreditou.

Mas a atriz não é o único destaque do elenco. Matthew McCounaghey demonstra que já foi um ator promissor e interessante antes de enveredar pelas ridículas comédias românticas que protagoniza atualmente. Ao mesmo tempo, Tom Skerrit ganha pontos por conseguir fazer de Daniel Drumlin um personagem humano e real, mesmo que o roteiro busque a antipatia do espectador por ele e John Hurt, que encarna de maneira impecável o excêntrico bilionário S. R. Hadden, diverte-se e rouba praticamente todas as cenas nas quais aparece. Por outro lado, James Woods atua com preguiça, não oferecendo o menor esforço para fugir da caricatura de seu personagem.

O trabalho de Robert Zemeckis também é extremamente eficaz no sentido de construir um filme repleto de suspense e tensão. Há sempre o interesse sobre o que poderá ocorrer e por mais revelações a respeito da natureza da mensagem ou da viagem. Assim, o cineasta jamais deixa Contato perder o ritmo, mesmo em suas quase duas horas e meia de duração. Além disso, Zemeckis ainda demonstra habilidade ao construir uma tensão absurda durante toda a cena envolvendo o lançamento da cápsula, em um exemplo irrepreensível de como utilizar efeitos especiais de forma a realmente oferecer maior dimensão à história e à jornada pessoal dos personagens.

No entanto, Contato não é totalmente desprovido de problemas. Zemeckis e os roteiristas cometem alguns – pequenos – deslizes que poderiam ter sido evitados. O mais claro deles é o romance entre Ellie e Palmer. Não há o menor motivo para os personagens se envolverem dessa forma; acredito, inclusive, que seria ainda mais eficaz se os dois acabassem se tornando apenas confidentes, amigos, um do outro. O romance é tratado de forma rápida e jamais chega a convencer, falha que salta aos olhos assim que o roteiro exige isso do espectador. O mesmo vale para a cena na qual os personagens de James Woods e Angela Basset falam sobre uma gravação da viagem de Ellie: Zemeckis erra ao oferecer ao público uma resposta que ele deveria interpretar por si mesmo.

Mas isso é pouco, muito pouco, diante de tudo o que Contato oferece. Zemeckis, Sagan e os roteiristas não fizeram apenas um filme narrativamente impecável, mas uma obra capaz de desafiar o espectador a pensar. Uma obra que força o público a buscar suas próprias soluções em relação a alguns dos grandes temas da humanidade. Talvez a grande pergunta ao final de Contato é: estamos preparados para algo como o que é visto na trama? Infelizmente, baseado no fato de que um dos grandes filmes dos anos noventa esteja hoje quase esquecido, minha resposta é não.

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