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Críticas

Cineplayers

A bela história do contador de histórias.

8,0

O Contador de Histórias consegue algo raro na cinematografia nacional:  juntar um pouco do lado miserável do país, com a beleza que pode ser extraída da exclusão social maciça que acontece no Brasil. A beleza a qual me refiro, são as jóias pessoais de milhares de meninos que, por não terem oportunidades, acabam apagados no mar de indiferença que cerca a nossa elite política.

Roberto Carlos Ramos era mais um dessas crianças sem oportunidade. Ainda na década de 60, na cidade de Belo Horizonte, o menino tem sua vida mudada em função da inocência e da esperança de sua mãe. Ao ver uma propaganda da ditadura militar na televisão sobre a FEBEM, ela fica convicta de que lá o seu filho caçula, o décimo da família, poderá estudar, comer bem e se tornar um profissional de sucesso.

A história já começa a encantar assim que põe o pé na fantasia. A imaginação fértil do garoto leva o espectador a conhecer uma história muito mais empolgante sobre como ele acabou internado na FEBEM. A realidade, de ser deixado pela sua mãe no local, dá lugar a uma fantasiosa história, que ao mesmo tempo em que demonstra o potencial do garoto - algo que pode ser desperdiçado devido à clausura -, demonstra também sua insegurança em confiar sua história de vida à pedagoga francesa que tem interesse em usá-la como objeto de seu estudo.

Assim, as histórias das centenas de fugas do menino da instituição e sobre como funcionavam as aulas de educação física, exercem o duplo papel de descontrair pela graça extraída da visão extremamente imaginativa de Ramos, ao mesmo tempo em que entristecem pela indiferença e pelo descaso com que são tratados meninos que desde muito pequenos são considerados irrecuperáveis. Saber rir da própria desgraça e aprender com o riso a superar o obstáculo é a primeira lição que o contador de história deixa para o público.

Assim, a história, que vai ganhando força conforme as imagens tratam de ilustrar a imaginação de Ramos - como a favela onde nasceu, repleta de pipas empinadas por ele -, atinge seu ápice com o desenrolar calmo e bem construído da relação entre Roberto Carlos Ramos e a pedagoga francesa interpretada por Maria de Medeiros. E os desafios e triunfos da vida do menino são acompanhados pela trilha sonora mais bonita do ano até aqui, composta por André Abujamra e Márcio Nigro. As notas tocadas em violino, acompanhadas pelo piano, são de extrema beleza e inevitavelmente mexem com o brio do espectador, e imediatamente o transportam sob forte emoção para a imensidão da história.

Infelizmente, pesam conta o filme algumas opções estéticas do diretor Luiz Villaça. O excessivo emprego da câmara lenta, em passagens no início do longa, são escolhas desnecessárias e que em nada contribuem para a narrativa. O recurso só foi bem empregado em uma ou duas passagens. No resto, um capricho desnecessário e sem efeito. O roteiro bem construído acerta em contar por meio de palavras muito do que poderia ser dito apenas por imagens, um recurso geralmente condenável, mas que, aqui, completam o sentido de narrador de sua própria história, ao colocar o contador de casos, Roberto Carlos Ramos, narrando sua adolescência e explicando os seus sentimentos. Contudo, peca por não saber a hora de ser mais contido, alongando demais cenas de menor importância, como quando um inimigo de Roberto invade a casa da pedagoga.

Apesar disso, O Contador de História é forte o suficiente para passar sua mensagem de superação por meio da oportunidade dada a um garoto pobre. Além de mostrar a importância da família e da educação, criticando por tabela as instituições sociais brasileiras que não funcionam, com o agravante da falta de vagas em escolas e educação de péssimo nível. E a FEBEM, instituição com a finalidade de educar e reintegrar jovens à sociedade, acaba sendo um antro de propagação da violência. O sistema prisional para menores fora vendido à época do governo militar como um local modelo para fornecer a oportunidade de transformação na vida de jovens de baixa renda que, por meio da FEBEM, poderiam se tornar médicos e advogados. E, evidentemente, fica a crítica ao papel do Estado e de suas instituições na construção de uma sociedade mais justa e menos excludente. Pena que, até hoje, o exemplo que vem de cima é o pior possível.

O filme conta com um bom trabalho de seu elenco, dos três meninos que interpretam Roberto Carlos Ramos até as maduras composições de Maria de Medeiros e Jú Colombo, que interpreta a mãe do menino. Bonito, sensível e emocionante, O Contador de Histórias mostra uma história humana de superação por meio da educação e da oportunidade - a diferença que o afago e o tapa podem fazer na formação do caráter.

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