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Críticas

Cineplayers

Um filme que se destaca no meio de tantos arrasa-quarteirões pobres lançados ultimamente.

7,0

No meio de tantos arrasa-quarteirões tão pobres em consistência e conteúdo, eis que surge um ótimo exemplo de como as coisas ainda podem funcionar bem em Hollywood. O que também não deixa de se admirar é que esta é uma adaptação de uma HQ de temática adulta, que vem se tornando em voga (basta exemplificar com “Sin City” e “Estrada para Perdição”), mas que não deixa de ter apelo universal – isto é, o público adolescente, maior alvo, não deixa de ser contemplado. Mas o filme inexplicavelmente não conseguiu se pagar no mercado americano, uma grande surpresa, com apenas 75 milhões de dólares arrecadados, para o alto custo de 100 milhões estimados. Os meandros do cinema realmente são misteriosos, pois este foi grande sucesso no mercado externo e se pagou com facilidade, o que poderia trazer uma (bem-vinda) continuação.

 

Mas o filme poderia ter sido um grande fracasso. Principalmente pelo boca-a-boca gerado pelos aficcionados dos quadrinhos de Alan Moore (que já tinha amargado um péssimo resultado com o seu “A Liga Extraordinária” transposto sem qualquer tipo de piedade por parte dos produtores), que detestaram o nome de Keanu Reeves encarnando o papel-título (a propósito, a HQ na qual o filme é baseado se chama “Hellblazer”). Paul Bettany, que era inclusive o favorito do diretor Lawrence, era a primeira e melhor escolha – infinitamente melhor ator que Reeves, é loiro e britânico como o personagem. Outra mudança que deixou os fãs furiosos foi a mudança de cenário onde se transcorre a ação: da gótica Londres para a pós-moderna Los Angeles (o que foi uma decisão acertada, no final das contas, já que a Los Angeles mostrada no filme se mostra bastante apropriada para o clima desejado.

 

Pelo enredo, o mundo é rodeado por anjos e demônios que tem o poder de nos influenciar (mas não agir diretamente) com a finalidade de abalar o equilíbrio existente entre o bem e o mal no nosso planeta. John Constantine é um humano com poderes paranormais, pois consegue enxergar e lidar com esses seres fantásticos. Um personagem diferente do que estamos acostumados a ver, pois é um típico anti-herói, fumante inveterado (e por isso está com seus dias contados por causa de um câncer no pulmão), que passa sua existência realizando rituais de exorcismos a fim de conseguir uma espécie de perdão divino e poder entrar no céu – em certo episódio ele tentou o suicídio e acabou indo parar no inferno por poucos momentos e, portanto, está fadado à passar a eternidade nesse lugar).

 

Ele se envolve com a policial Angela Dodson (a bela e talentosíssima Rachel Weisz, cada vez melhor), que acaba de sofrer um baque com o aparente suicídio da irmã gêmea que era perturbada mentalmente. Angela procura Constantine já que enxerga nele uma possibilidade de esclarecimento da morte da irmã, que era católica fervorosa e, portanto, jamais poderia ter cometido tal ato. Só que acabam descobrindo uma conspiração para acabar com o tal equilíbrio existente. E a velha luta entre o bem e o mal será intermediada por um mortal.

 

“Constantine”, o filme, acaba por cometer alguns erros primários. O mais grave deles é com certeza, a escolha de Keanu Reeves. Que ele é limitadíssimo, todo mundo sabe, mas aqui sua deficiência fica muito explícita quando ele tenta dar o sarcasmo típico do anti-herói – Reeves nunca consegue achar o tom certo. Mas fisicamente ele é perfeito para o papel, e agrada nas cenas de ação (em especial a cena de exorcismo logo na abertura do filme). O roteiro tem alguns problemas também, ao deixar vários furos no meio do caminho e ao tentar dar um final feliz a uma produção que não merecia tal desfecho.

 

Mas as qualidades do longa de estréia de Lawrence (veterano diretor de videoclipes) são muitas. Ele imprime ao seu filme uma estética visual bastante apurada, auxiliado por uma fotografia em tons frios do experiente Philippe Rousselot (que frequentemente trabalha com Tim Burton, como em “Peixe Grande” e no novo “A Fantástica Fábrica de Chocolates”) e da direção de arte inspiradíssima – reparem na riqueza de detalhes dos cenários, como um teto todo formado por garrafas. A edição também é impecável, deixando um ritmo progressivo e angustiante. E a escolha do elenco, tirando Reeves, é de uma felicidade tremenda (não esquecendo que Reeves foi imposto pelo estúdio para que este se tornasse mais comercial). Rachel Weisz é perfeita; Gavin Rassdale (vocalista do grupo Rush), como Balthazar, está afetado na medida certa; Peter Stormare, assumindo um tom satírico, agrada como Satã; e Tilda Swinton encarna com maestria o Anjo Gabriel. Aliás, Swinton (“Até o Fim”) merece todos os aplausos pela caracterização dúbia, de grande presença, realmente impressionante. É um dos grandes momentos que o cinema nos deu até agora em 2005.

 

Finalizando, gostaria de dizer que “Constantine” não deixa de ser um filme bastante ousado, principalmente por causa de sua temática religiosa. O filme em nenhum momento deixa-se intimidar e entrega alguns diálogos memoráveis, que provavelmente ofenderão a algumas pessoas. Então, para curtir, tem que encarar o filme como fantasia e se deixar levar.

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