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Críticas

Cineplayers

Com um clima fantástico e um personagem complexo e corajoso para os padrões, uma pena que a conclusão seja tão ruim.

6,0

Há um bom tempo que a Marvel vem dando bons sopapos na rival DC no quesito 'adaptação de suas histórias para as telas'. São filmes que tratam desde homens verdes gigantes com seus problemas de existencialidade até jovens aracnídeos que devem aprender que grandes poderes trazem também grandes responsabilidades, passando por pessoas com poderes exóticos que devem salvar o mundo ao mesmo tempo que sofrem o preconceito da população, tudo isso regado com as melhores seqüências de ação que esses personagens poderiam gerar.

A profundidade desses filmes consegue caracterizar bem a de seus personagens, ao contrário do que uma das maiores bombas já feitas em Hollywood, Mulher-Gato, jamais sonhou em fazer - no máximo, fez com que alguns mais assanhadinhos se satisfizessem com algum fetiche recluso de uma mulher vestida de gato rebolando por aí com o seu chicote masoquista. Poucos são os filmes realmente bons baseados em um personagem da DC, como quando Richard Donner (de Os Goonies) e Christopher Reeve deram vida ao homem de aço, o famoso Super-Homem, ou então quando Tim Burton juntou Michael Keaton, Jack Nicholson e Danny DeVito para fazer os seus Batman.

Baseado na HQ Hellbrazer, de Alan Moore, o mesmo por trás de A Liga Extraordinária (um filme com bastante potencial, mas que ficou uma porcaria), do futuro Watchmen (também em produção para o cinema) e V de Vingança (com Natalie Portman), conheça a história do anti-herói John Constantine, um homem condenado ao inferno por uma tentativa falha de suicídio quando jovem, por não suportar o terrível dom / maldição de ver anjos e demônios circulando livremente pela Terra. Tentando evitar seu certo destino para a casa do satã, Constantine se tornou um exímio exorcista, expulsando todos os demônios que tomam os corpos de pessoas normais, afim de fazer uma média com Ele lá em cima e, assim, evitar o seu trágico destino; que parece estar cada vez mais próximo, devido a um crônico câncer de pulmão, provindo do seu vício por cigarro.

Só que o a história do filme não se baseia apenas nessas características. Elas apenas são apresentadas de forma extremamente eficiente, realista, para servir como base para uma história mais complexa e cheia de filosofia acontecer por trás. Anjos e demônios não podem agir diretamente na Terra por causa de um equilíbrio estabelecido entre Deus e o Diabo, apenas tentar influenciar pessoas para fazerem aquilo que lhes convém, em uma insana aposta entre os dois, onde um deve tentar influenciar um número maior de pessoas do que o outro. A partir disso, Constantine percebe que um demônio tentou atravessar do seu para o plano da Terra, o que poderia gerar um desequilíbrio entre as forças e, assim, começa a investigar o caso.

A história cria teorias extremamente interessantes em um mundo complexo, assustador e real, com filosofias sobre Deus e o Diabo corajosas em uma produção de Hollywood, evitando o óbvio, cair para um lado teen, sem subestimar o seu público e com muito bom humor para prender a atenção dos menos exigentes. Características que geraram um belo clima, em um mundo cativante, novo, que quase se perde com o terceiro ato da trama, onde toda essa onda teen nos leva para lados mais de ação, onde tudo se resolve de maneira mais fácil e insatisfatória.

Até mesmo alguns apetrechos à lá MIB 2 são inseridos, o que prejudica esse ambiente realista criado por alguns ótimos minutos anteriores. Outra coisa bastante ridícula é o modo que acharam para Constantine entrar no Inferno. Fala sério, né? A desculpa da água ser um bom condutor ficou forçada, mas o gato acabou ficando bacana. Cai também na velha fórmula já pronta de um final que agrade uma parcela maior de público, mesmo que isso contrarie toda a forte personalidade do personagem demonstrada anteriormente. Há ainda duas ou três ótimas seqüências de ação, e mesmo que a do hospital soe gratuita e desnecessária, principalmente pela facilidade com que Constantine se livra dos obstáculos, diverte e fará o gosto do público que esperava isso durante todo o longa - o que, de fato, não é o que acontece. Constantine tem suas cenas de ação, mas não é um filme sobre elas.

Muito foi falado sobre os efeitos do filme, com diversos adjetivos pejorativos relacionados a eles, porém são funcionais e, em alguns momentos, realmente chocantes. A cena do suicídio ficou espetacular, e o excesso de efeitos digitais não prejudica as seqüências de ação. O Inferno também foi todo criado através de uma combinação entre uma arte precária, que retrata Los Angeles de maneira catastrófica, somado a uma amedrontadora paleta de vermelho com ventos fortes e irritantes. A sensação de desespero é completada com demônios realmente assustadores, mas que decepcionam em alguns momentos (o pior é o demônio de insetos, que ataca Constantine na rua).

Outra coisa também que preocupou os fãs - geralmente impossíveis de saírem completamente satisfeitos de alguma sessão -, foram as alterações feitas com relação à obra original. Constantine deixou de ser loiro e 100% inglês para se tornar um americano amargurado, provindo de sua dependência excessiva ao cigarro e com Keanu Reeves no papel principal. Uma melancólica Londres também deu lugar à Los Angeles, mas ao invés do luxo e glamour de Hollywood, conhecemos seus becos obscuros e todo o ocultismo criado para tornar verossímil aquilo que estamos assistindo.

Se não podemos dizer que houve uma preocupação em respeitar os fãs (o estúdio bateu o pé e disse que só faria o filme se fosse com Keanu Reeves como protagonista), pelo menos o diretor estreante Francis Lawrence, vindo de vídeo clipes, e o roteiro se esforçaram para tal. Há diversas inclusões de tramas que, originalmente, são histórias absolutamente diferentes, mas que, no filme, funcionam como uma só. Os fãs mais árduos podem até torcer o nariz pelas sub-tramas não terem o nível de detalhes dos originais, porém, como filme, funciona no sentido de que não soa forçado e aprofunda ainda mais o drama em que Constantine vive.

Mesmo que fisicamente Keanu Reeves não se pareça com o Constantine original, pelo menos o ator se esforçou para captar sua essência e, milagrosamente, até que se saiu bem. Claro que a personalidade mais fechada do personagem o ajudou nessa missão, e em alguns momentos fica ainda clara a semelhança com Neo da trilogia Matrix. Mesmo que os personagens sejam absolutamente diferentes, pequenas atitudes, somadas a lógica limitação do ator, contribuem para tal afirmação. Rachel Weisz, que recentemente trabalhou com Fernando Meirelles em The Constant Gardener (marcado para sair ainda este ano nos EUA), interpreta gêmeas, mas com apenas uma criando um personagem considerável; a agente do FBI que pedirá a ajuda de Constantine após o suicídio da irmã, acabando por perceber que está no centro da aposta entre Deus e o Diabo.

No elenco temos ainda Shia LaBeouf, que interpreta o taxista de Constantine (o menino vem de uma seqüência de filmes de sucesso); Djimon Hounsou ficou com um mago neutro entre a aposta dos Dois, Pruitt Taylor Vince fez um polêmico padre exorcista dependente do álcool; Tilda Swinton construiu uma interessante assexualidade para o anjo Gabriel; Gavin Rossdale, vocalista da banda Bush, faz uma pequena participação como Balthazar; e, por fim, o sempre competente Peter Stormare interpretando Belzebu, um dos personagens mais importantes do filme, em uma mistura sinistra de comédia e maldade.

Se vai agradar aos fãs mais hardcore dos gibis eu não sei, mas o público de final de semana está garantido, mesmo que não seja lotado de cenas de ação. Com uma boa filosofia, que nos fará discutir ao final da projeção, poderia ser um dos grandes filmes baseados em um personagem da DC dos últimos anos, mas que escorrega de maneira grave em sua conclusão. Continuações virão, afinal, o filme está sendo um sucesso comercial e, para Hollywood, isto é 95% do que interessa. Não é ruim, mas com o personagem que tinha em mãos, é um pecado sairmos do cinema com uma boa diversão de trinta minutos finais ao invés de horrorizados com o terror psicológico apresentado anteriormente.

Se falha como filme na conclusão, pelo menos funciona ao atiçar a curiosidade para conhecer um pouco mais do que esse interessante, complexo e condenado personagem tem a nos oferecer.

Comentários (1)

Cristian Oliveira Bruno | sábado, 23 de Novembro de 2013 - 18:50

Os efeitos ficaram devendo. Reeves é detestável!!! Recebeu grandes presentes a carreira toda (vide Matrix), mas o filme é muito bom.

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