9,0
Poucas vezes uma expressão tão clichê quanto 'obra de maturidade' fez tanto sentido quanto com o novo longa de Christoph Honoré. Aos 48 anos, o prolífico diretor francês tem uma carreira ampla em títulos e uma certa afetação que unia esses títulos, bem sucedidos ou não. Esteticamente extravagantes, de mise-en-scene muito carregada, sua opção por narrativas "ousadas" sempre o deixaram à margem da consideração. Vez por outra um acerto não deixava criar uma filmografia coesa em qualidade, apenas em temática. O nome de Honoré não era necessariamente atribuído a regularidade, e mesmo agora não temos como prever o futuro a um cineasta tão inconstante.
A verdade é que Conquistar, Amar e Viver Intensamente não precisou fugir de uma espécie de zona de conforto para fazê-lo amadurecido. Ele foi buscar na fonte de sempre a argamassa para construir uma narrativa séria e sóbria, sem jamais parecer sisuda, mas pertinente sobre um tempo e um grupo, no caso a cena LGBTQI+ dos anos 90, década ainda de derrotas a granel para o vírus HIV e mais clemente que hoje, mas que traça um reflexo com a volta da desinformação a respeito. Além disso, o caráter humano e emocional que a busca pelo individualismo fez perder após esses 25 anos no tempo também se mostra lá atrás, com o roteiro específico que Honoré concebeu, centrando sua narrativa em cima desses dois protagonistas tão opostos.
Jacques é um escritor e dramaturgo que se sente diminuído por não ser popular, apesar de talentoso. Chegou a uma fase da vida e da carreira que pode exigir coisas e o faz, sem exatamente ser atendido. Leva uma vida solitária dividindo porta com seu melhor amigo, sem reclamar da solteirice e até preferindo-a. Arthur é um jovem bretão, pelo menos 15 anos mais jovem, no auge da efervescência erótico-romântica. Procura parceiros sexuais em ambos os gêneros, está no auge da procura e das descobertas, e pronto a se entregar - mesmo que isso signifique um breque em seu furor de juventude. Dois personagens infinitamente complexos tratados com maturidade por um roteiro enxuto, Jacques e Arthur se conhecem e se encantam, mas a vida de ambos é muito mais que o encontro. Com diálogos em sua maioria muito precisos, até coloquiais ainda que sem perder sua beleza e honestidade, Honoré recriou uma gravura viva com o aroma de seu tema e da melancolia inerente a ele.
O elenco entende a proposta naturalista e compra a ideia de Honoré, que ao menos por ora adentra terreno da simplicidade. O grupo de atores se sai uniformemente bem, ressaltando a sutil rabugice empregada por Denis Podalydes. Mas são os protagonistas do longa que causam a diferença positiva, em empate das performances de Vincent Lacoste e Pierre Deladonchamps. Enquanto o primeiro se vale da própria juventude para exalar liberdade, paixão e ardor a cada cena, o segundo surpreende. Marcado pelo papel em Um Estranho no Lago, Pierre ressurge com um visual sem brilho que contribui para sua interpretação entristecida. Um homem cheio de camadas que refletem nas suas escolhas futuras, Pierre dá nuance a cada uma dessas curvaturas com muita propriedade e segurança. Seu encontro com Lacoste mostra uma dualidade de sentimentos que explode na tela com extrema veracidade, criando uma das mais criveis relações da temporada.
Fica claro principalmente na condução das cenas o quanto Honoré ultrapassou um lugar viciado. O filme carrega uma fluidez na textura de imagens, uma elegância discreta, que não renega sua carreira e inclusive evoluiu suas técnicas; seus reconhecíveis 'travelings', por exemplo, aqui aparecem de maneira mais orgânica. Essa empreitada parece querer menos olhar para si mesmo, e nesse acerto de mudança de rumo o longa parece ter mais autonomia cinematográfica, livre das pressões de estar mais hypado o autor se viu liberto, e com isso mais particular. Sem nunca ter se tornado um pastiche de si ou de suas escolhas (como parece estar seguindo Xavier Dolan), Honoré parece ter encontrado a tranquilidade que lhe faltava, e pela primeira vez desde Canções de Amor tudo funciona perfeitamente ao seu redor, talvez dessa vez por ele ter percebido que uma história é muito melhor contada quando sua narrativa se expõe, e não seu autor. Ao sublinhar aqueles seres humanos em seu habitat natural de fragilidade, Honoré consegue uma tão necessária reflexão pessoal, e sai renovado.
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