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Críticas

Cineplayers

Festa de amigos.

7,0
O dinamarquês Thomas Vinterberg, após obter sucesso com A Caça (Jagten, 2012), lançou uma refilmagem filmada na Inglaterra, Longe Deste Insensato Mundo (Far from the Madding Crowd, 2015). O filme não obteve muita atenção no Brasil. Agora o cineasta retorna à Dinamarca e se lança à década de 70 com esse A Comunidade (Kollektivet, 2016), onde mostra uma casa herdada que funciona como uma espécie de república entre amigos, existente em benefício da economia de todas as partes. O diretor desenrola uma história aparentemente simples, mas que guarda questões ideológicas e políticas, conservando o natural posicionamento do realizador em não tomar partido, ou, pelo menos, não afirmar declaradamente preferência por algum lado. O espectador que se vire com o que acredita. 

Vinterberg volta a reunir um grupo de pessoas em um casarão e promove várias e importantes cenas numa mesa de jantar, regada a comida e vinhos baratos. Em seu cinema, muitas questões se resolvem nesse espaço. Inevitavelmente nos lembramos de Festa de Família (Festen, 1998), mas sem qualquer traço do Dogma 95. Há até alguns instantes de constrangimento que surgem por empatia de maneira similar a obra mencionada. As pessoas dessa comunidade coexistem com diferenças, até o ponto em que um interesse amoroso rompe com o difícil equilíbrio que mantinham. A dinâmica é alterada, gerando discussões pertinentes do que significa viver naquele meio coletivo e o comportamento dos personagens chamam a atenção pela imprevisibilidade das reações. 

A questão discutida aqui é clara: o embate entre o desejo individual contra o desejo grupal, independente de hierarquia; e o quanto esse desejo interfere na política estabelecida, com suas leis vigoradas num acordo verbal arranjado em reuniões periódicas. Quando aquele que organizou o grupo acatando sugestão da esposa descobre divergências sobre suas opiniões, busca a imposição de ideias tal como um déspota autoritário, a ponto de desmaiar tamanha irritabilidade. Cômico e trágico. 

Vários símbolos compõem a narrativa, esses expressos em seus personagens, como exemplo a criança que ciente de sua doença terminal, crava que só viverá até os 9 anos. É o símbolo de morte da infância, transição para outra fase. Ou a filha do casal Erik (Ulrich Thomsen) e Anna (Trine Dyrholm) que raramente fala, mas observa tudo como se em suas experiências da adolescência, buscasse assimilar o certo do errado num contexto social novo, de experimentos sensíveis. A garota leva a compreensão de suas observações até a prática em outras situações para só em um momento afirmar que tem algo a dizer. 

A década de 70 é bem retratada pela câmera e o figurino não deixa dúvidas do período. O roteiro de A Comunidade é atento a dinâmica de relações e estrutura um antes e depois, tendo uma cena recreativa com todo aquele grupo desfilando nu sorridentes a fim de um mergulho para depois tratar embates entre os mesmos. Em suas individualidades, nem todos conseguem ganhar dedicada atenção e construção. O espectador sentirá falta disso, todavia entendemos suas singularidades. Afinal é o grupo que importa. Coloca-se, então, uma estranha que oferta mudança e a trama se desenrola: surge Emma (Helene Reingaard Neumann) travestida de Brigitte Bardot em O Desprezo (Mépris, Le, 1963), símbolo dos demônios que desafiam os constructos de mudança propostos por Anna, aquela que almejava mudanças, a personagem mais profunda e foco de exploração dessa boa história. 

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