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Críticas

Cineplayers

Um filme que não chega aos pés da obra original. Tudo é muito atropelado, sem sal e com conteúdo mal explorado.

4,0

Depois da quantidade de livros vendidos ao redor do mundo, era óbvio que a chegada de O Código da Vinci aos cinemas seria um fenômeno. Mesmo sabendo do caos que estaria o local, arrisquei-me a ir sem ingresso, cedo, para tentar comprar na hora. Resultado? Consegui uma única sessão, à meia-noite, completamente lotada – algo que não havia visto nem no lançamento de O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei. Mas é fácil entender o porquê disso: tentando proibir a obra, a Igreja acabou popularizando-a ainda mais, mesmo não sendo a única e nem a melhor obra a tentar provar a humanização de Jesus Cristo. O fato é que O Código da Vinci é mesmo uma revolução cultural, e se a Igreja queria que o conteúdo ficasse em segredo, acabou fazendo justamente o contrário: outros livros foram escritos baseados aqui, DVD’s feitos, jogos e, o que nos interessa nessa matéria, o filme.

A essa altura do campeonato, a história todo mundo já conhece: Robert Langdon (Tom Hanks), um famoso simbologista, é convocado a comparecer no Louvre para ajudar em um estranho caso de assassinato, onde a vítima é um historiador famoso que trabalhava no local, Jacques Sauniere (Jean-Pierre Marielle). Só que Langdon não sabe que Fache (Jean Reno), o capitão que conduz as investigações, considera-o o único suspeito do crime, e fará de tudo para que Langdon saia encarcerado do local naquela mesma noite, com uma confissão assinada e tudo. Acreditando na inocência do simbologista, Sophie Neveu (a sempre linda Audrey Tautou) o ajuda a escapar para que, juntos, consigam decifrar os códigos escondidos nas obras de Da Vinci e entender o que Sauniere quis dizer pouco antes de sua morte. Só que esse segredo promete ser muito mais forte do que eles imaginam, envolvendo altos escalões da Igreja em muita, muita sujeira.

Li o livro e isso é um fator importantíssimo a ser dito antes de começar a minha análise do filme. Porém, também é importante dizer que não sou fã incondicional da obra; apenas acho-a bacana o suficiente para prender a atenção dos leitores, com os enigmas muito bem descritos e detalhadamente resolvidos. A trama policial sempre achei imbecil e apenas o pano de fundo para que toda a aula de história da arte, mesmo que inverossímil, aconteça. Dessas características, o que o filme conseguiu transpor para as telas?

Infelizmente, pouco será dito sobre as obras de arte. Toda a parte do museu do Louvre é vergonhosa, principalmente no que diz respeito à Mona Lisa. O quadro, talvez o mais famoso de todo o mundo, foi simplesmente reduzido a segundo plano. No livro, entendemos a escolha de inserir Mona Lisa na história, sua importância para tudo, etc. No filme, simplesmente passamos pela Mona Lisa, como se ela tivesse sido escolhida aleatoriamente para um dos enigmas de Sauniere - no total, ela não fica nem três minutos em cena. A parte da Madonna das Rochas então, é simplesmente ridícula! Na pressa, Ron Howard (o diretor) acabou atropelando uma série de informações interessantes para poder se concentrar na pior parte do livro: a intriga policial.

Ainda assim, o filme tem os seus méritos: toda a parte explicativa do quadro de A Última Ceia ficou fantástica, adaptando de forma perfeita as explicações do livro para a tela – ficava imaginando como colocariam todos aqueles detalhes na tela, mas a solução encontrada pela equipe foi perfeita; infelizmente, a técnica não é utilizada nas demais obras de arte, apenas nessa parte em específico. Alguns questionamentos que não estão no livro também caíram bem no longa, como por exemplo o de Sophie “não é porque Da Vinci pintou que seja verdade”. É um questionamento interessante, que não tem no livro, mas é bem explorado pelo filme.

Na obra de Dan Brown, é interessante acompanharmos o raciocínio dos personagens, ver porque eles chegaram aqui ou ali e como. Na de Ron Howard isso é tudo muito atropelado, mesmo com as mais de duas horas e meia de projeção que tem. O problema parece ser que ele gastou muito tempo com algumas coisas desnecessárias quando poderia aproveitar o seu tempo para contar melhor a história. Para uma pessoa que não leu o livro, fica simplesmente impossível de entender tudo o que passa na tela, pois é muita informação mal explicada, o que o fardará a duas opções: ou a pessoa acha aquilo tudo interessante e vai se interessar em ler o livro, ou ela achará tudo entediante demais para se interessar por alguma coisa, já que tudo é lotado de diálogos.

Só que o problema maior do filme nem é a falta de explicação, e sim sua falta de sentimento. Em momento algum nos importamos com os personagens e nem somos apresentados a um background convincente para entendermos suas motivações na obra – um problema que não existe no livro. Comparando mais uma vez o livro com o filme, no primeiro temos tudo tão detalhado que seria demais para as telas, claro, mas a adaptação é falha por não captar os sentimentos necessários para o perfeito entendimento da mensagem do filme. O final alterado é imperdoável, pois além de ter ficado pior, ainda tirou toda a carga emocional que continha no livro e alterou drasticamente a mensagem do livro. Uma coisa é você adaptar, outra coisa é você modificar. O filme faz isso, e de forma bastante infeliz.

Além de tudo, na correria de colocar o máximo possível na tela, o diretor pecou em um ponto precioso: a contemplação do material que tinha em mãos. A partir do momento que ele não trabalha os textos do livro, o público simplesmente não consegue sentir a importância de tudo o que está acontecendo e pior, não consegue contemplar uma obra sequer dentre tantas as que são mostradas no longa. Ao assistir a tanta coisa, nós simplesmente ignoramos tudo o que o filme tinha de melhor para se concentrar no mais básico e dispensável do livro. Se tentam quebrar o falatório com cenas de ação desnecessárias, claramente para atrair um público mais casual e deixar o filme com uma cara mais de blockbuster, faltam seqüências que deixem o filme com mais cara de “arte”, se assim podemos dizer.

Não há planos demorados, tudo é cortado muito rápido, tudo é cuspido na tela da pior maneira possível. Preferia muito mais ver um plano demorado de alguma obra de arte, fazendo assim belas imagens de ligações entre seqüências (inexistentes no filme) do que um retrovisor sendo estraçalhado em uma corrida da polícia. No aspecto estético também falta beleza ao filme. A noite não é bem fotografada e deixa todo o filme com cara muito monótona, feio mesmo. Nem de dia a beleza consegue saltar aos olhos, o que é um pecado, devido à matéria-prima que continha na obra.

O elenco também é atrapalhado por esse atropelamento de idéias. Tom Hanks, apesar de ainda ser uma figura única na tela, não tem espaço para desenvolver seu personagem e ainda é prejudicado pelo “partido” que o roteiro toma em uma determinada seqüência, alterando gravemente o aspecto psicológico traçado pelo livro e contradizendo até o motivo que o levou a ser escolhido por Sauniere. A fofa Audrey Tautou (depois de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, sempre a verei assim, não importa o papel) é resumida a ficar perdida em meio à tanta informação provinda de Langdon e Teabing, ao contrário do livro, onde ela é uma criptóloga importante e tem opinião sobre tudo o que acontece ao seu redor – inclusive, em certa parte, ela tem um papel fundamental para solucionar um problema, algo inexistente no filme.

E já que citei Teabing, óbvio que devo falar sobre o sempre perfeito e preciso Ian McKellen. Ele parece ser o único ator a realmente se divertir com o personagem e improvisar, fazendo-se a escolha mais que perfeita para o personagem. Outro que gostei bastante foi Paul Bettany, que já havia trabalhado com Howard em Uma Mente Brilhante (esse sim, um filmão) e mostra-se um perfeito Silas. Sombrio, com passado complexo e ações ainda mais complicadas. É, sem dúvidas, o melhor personagem da fita e o menos prejudicado de toda a adaptação.

O que fica do filme O Código da Vinci, para quem leu o livro, é uma mera curiosidade que passa rápido demais; já para quem não leu, fica uma curiosidade bacana, mas que parece não terminar nunca. Pena que as alterações sejam tão ruins, afetem tanto a qualidade da obra. Também, com o roteirista de Batman & Robin e Ron Howard fazendo filmes maiores do que seu ego, não é de admirar que a adaptação tão complexa de um livro como esse tenha saído um tiro pela culatra no final. Não duvido que faça sucesso, por causa da polêmica criada em torno do filme (assim como do livro), mas que merecia um trabalho melhor, isso merecia. O problema não é alterar, e sim fazer mal feito. No caso desse filme, fica impossível não falar dele sem fazer comparações com o livro, tamanha a inferioridade do resultado final.

P.S.: A edição ilustrada do livro de Dan Brown é muito melhor do que o filme para dar forma à imaginação.

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