“Porque a Coca-Cola, meu senhor, pensas que é feita de quê?”
É fácil ficar em dúvida: afinal de contas, Alejandro Landes quis ser tendencioso ou não? Logo nos primeiros minutos de filme minha resposta seria ‘sim’. Vemos o então candidato à presidência da Bolívia, o ex-cocalero Evo Morales, convidando a equipe de filmagem para um tradicional desjejum boliviano: um copo de Api, suco de milho roxo servido quente, acompanhado de uns Buñuelos fritos na hora. O cenário, uma espécie de feira livre, ressalta ainda mais minha convicção. Será que deveríamos avisar o projetista que, por alguma fatalidade, lhe entregaram um rolo de programas eleitoreiros passados? Esperemos mais alguns minutos pra ver se isso se confirma!
O documentário acompanha Evo durante sua conturbada campanha presidencial e esse mote nos remete quase instantaneamente a uma produção nacional, o Entreatos (2004) de João Moreira Salles, que nos mostra a tão temida quanto aguardada chegada de Lula à presidência. E é nesse ponto que ambos parecem obras de uma mesma leva, pois acompanham o dia-a-dia desses candidatos, de imagens marcadamente populares, em sua primeira grande vitória política.
Cocalero segue também o dia-a-dia de Leonilda Zurita, correligionária de Morales e personalidade política de importância na região de El Chapare, onde são encontradas as maiores plantações de folhas de coca do país e cuja maioria absoluta da população está vinculada economicamente ao plantio da mesma.
Dito isso, vamos pensar um pouco: o que faz de Evo Morales alguém que mereça ser guardado para posteridade num documentário? Sua origem indígena, muitas e muitas vezes ratificada durante o filme; o fato de que a maioria da população boliviana tem a mesma origem que ele e de que pela primeira vez na história desse país um índio tinha sérias chances de ser eleito presidente. Aproveito pra deixar claro que na minha singela opinião, índios podem se candidatar à presidência quando bem entenderem. Mas parece que na visão Bushiana de História as coisa não funcionam assim.
Pois é, os EUA meteram a colher na vida dos bolivianos, alarmando em grande campanha sobre ‘a maldade’ por detrás daqueles chapeuzinhos de aparência inocente. Hectares e mais hectares de coca destinados ao tráfico e todo um planeta ameaçado por essas figuras hediondas (?). É bom que se escreva um artigo na mais popular enciclopédia norte-americana contando que, essas pessoas de pele queimada, olhos puxados e trancinhas, consomem a coca in natura há pelo menos umas 10 gerações, utilizando processos químicos muito mais simples como infusão e digestão. Nada de refino.
Então que, envolvido nesta queda de braço com o governo americano pelo direito de manter suas plantações e suas atividades ancestrais, Evo despontou como figura mais importante. E aproveitando o momento de grande consciência do povo boliviano, fez-se dele o candidato mais popular.
E porque não popularizá-lo ainda mais? Vemos Morales-vaidoso cortando o cabelo; Morales-parceiro, confraternizado com seu amigo não menos polêmico, Hugo Chavéz; Morales-marrento tirando uma com milicos à caráter, de uniformes e Ray-Bans. Mas... Bizarro mesmo é vê-lo jogando squash. Não pelo talento, que eu não saberia julgar. Tudo bem que os índios de hoje em dia também são globalizados, mas não seria melhor mostrá-lo jogando bola? Hein, senhor Landes?
Destaque para os destaques de personagens pitorescos em torno de Evo Morales e para a bonita sequência que acompanha os créditos finais.
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