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Críticas

Cineplayers

Com mais este pequeno filme, o sertão nordestino prova continuar sendo boa vertente para nosso cinema.

7,0

Seja para abordar qualquer assunto ou simplesmente retratar as peculiaridades do universo sertanejo, o sertão nordestino parece sempre exercer forte fascínio sobre cineastas. Afinal, por sua natureza social e cultural, as figuras do semi-árido, suas casas, os animais, a vegetação e outros elementos do cenário sertanejo rendem boas histórias quando transportados para o cinema, aí adentrando um contexto – o da vida urbana, citadina – que é bem oposto a esses elementos.

Numa abordagem quase metalingüística deste processo, Cinema, Aspirinas e Urubus faz o registro visual de um sertão bem mais sóbrio – porém não menos divertido – do que aqueles retratados por comédias regionais. O filme conta a história de Johann (Peter Ketnath), alemão que fugiu do país de origem nos auges da 2ª Guerra e chegou ao Brasil, onde percorre regiões inteiras vendendo aspirinas. O sucesso de sua empreitada está no modo como ele faz a publicidade do produto: projetando propagandas no meio de vilarejos, ao ar livre, e encantando os moradores, que, nunca antes tendo visto imagens em movimento, acreditam tratar-se de um medicamento de outro mundo.

Durante a viagem, Johann encontra Ranulpho, representante dos insatisfeitos com a vida; o brasileiro se junta ao alemão, na esperança de esbarrar em uma vida melhor, e os dois dividem projeções, fecham acordos com desconhecidos para a venda de mais aspirina e reclamam da vida que levavam: para Johann, nada é pior que a guerra; para Ranulpho, nada é pior que o sertão.

O enredo cabe em um curta-metragem, mas a direção de Marcelo Gomes o desdobra e alcança um tom de relato visual, que observa, registra e deixa as conclusões para a platéia. É de forma bem direta, portanto, que disseca, a seu modo, um sertão inóspito e encantador. A pouca cerimônia ronda também as interpretações, bem sinceras, e chega a muitas das personagens, que sequer têm nome.

Se na película falta um conteúdo marcante no enredo, ela se salva pelo cativante trabalho técnico e escapa da monotonia através de um poderoso arsenal de imagens límpidas e impressionantes. Um trabalho criativo de edição produziu efeitos simples e muito funcionais para a retratação do sertão, que aparece geralmente bastante iluminado, quase inteiramente branco. O caráter de road-movie é acentuado pela câmera livre, freqüentemente muito próxima dos atores, e pelas cenas ao ar livre e na estrada. O grande valor da imagem intensifica-se à medida que o filme torna-se mais contemplativo, e, portanto, mais silencioso, usando músicas da própria cena – e não uma trilha sonora – para arrematar os diálogos concisos.

Cinema, Aspirinas e Urubus não é exatamente o melhor nacional, mas é um achado que se destaca em meio a tantas produções comerciais e recicláveis de que ultimamente se serviu o cinema brasileiro. Aparentemente, o sertão continua sendo a principal fonte da verve dos bons cineastas, que o transformam em inesgotável criadouro de bons filmes. Se fomentado por câmeras, visões e imaginações como as de Marcelo Gomes, então, o cinema nacional estará mais que bem servido.

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