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Críticas

Cineplayers

Cinema esvaziado de sentido.

3,0
Aliar forma e conteúdo é talvez o grande desafio de qualquer cineasta que esteja atrás de fazer um filme com o mínimo de significado. No Brasil atual, uma leva enorme de filmes de suposta relevância social procuram meios de discutir mazelas que atingem nossa população, principalmente a população pobre e marginalizada por sua opção sexual, cor e condição financeira. A intenção é boa, mas os vícios recentes desse mesmo cinema nacional contemporâneo sabotam qualquer premissa e o fator “forma” começa a pesar mais do que o fator “conteúdo”. 

A Cidade do Futuro (idem, 2016) é um bom exemplo disso. A partir de uma história real, encenada pelas pessoas que viveram essa história, o filme passeia pelo interior baiano para discutir o preconceito arraigado no Brasil profundo diante de uma mulher que se envolve com dois homens, que por sua vez assumem a paternidade do filho que ela está esperando. No pano de fundo temos a população de uma cidadezinha, que no passado foi realocada de sua terra natal após uma inundação, sendo enganada por promessas de melhorias que nunca vieram. Perdidas entre perspectivas vazias em um lugar que não reconhecem como um lar, essas pessoas se limitam a continuar. 

Embora a princípio pareça existir uma relação entre a história dessas pessoas com o triângulo principal, logo qualquer ligação é distanciada a ponto de o pano de fundo soar meramente aleatório e sem qualquer propósito. A opção por negar um aprofundamento no drama dos três protagonistas e se sustentar num mero jogo de encenação artificial e sem emoção não se justifica e só impede qualquer empatia pelos personagens. Essa dramaturgia supostamente subversiva, propositalmente anticlimática, resulta em um cinema que se pretende de muito alcance, mas que não encontra qualquer significado em seu vazio explorado à exaustão. 

Quando tenta discursar sobre algo, A Cidade do Futuro recorre ao básico e simplesmente cai em lugares-comuns de filmes LGBT, com seus protagonistas precisando se esconder da vista de todos, sofrendo com olhares tortos, desconfianças, família intolerante e outros clichês de sempre, que não ganham nenhum tratamento que fuja do didático. Ao mesmo tempo, a mulher sofre a seu modo com os efeitos do machismo na sociedade patriarcal cristã, que a encara como a devassa e má influência que vive numa relação a três. O clímax desse confronto entre o estilo de vida dos três e o preconceito da cidade já foi visto em outros muitos filmes de temáticas parecidas, mas sequer emociona diante de tamanha apatia na dramaturgia da obra. 

A Cidade do Futuro nega a narrativa clássica, se volta ao dito cinema contemplativo que vive de procurar significados e dimensões no simples encarar do cotidiano ou do vazio. Mas se nas mãos de um diretor competente essa opção pode se mostrar bastante reflexiva e incisiva, aqui é mera dispersão que não oferece qualquer perspectiva interessante ou nova sobre o assunto. Em resumo: uma picaretagem para se propor mais complexo, quando na verdade é apenas artificial. O fundo sobre a cidade e aquela população que perdeu suas raízes simplesmente é abandonado em dado ponto e nunca retomado, jamais se encaixando de alguma forma para contribuir para o fechamento dos arcos dramáticos. Sobra esse cinema desprovido de técnica, esvaziado de valor prático - seja em forma ou em conteúdo. 

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