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Críticas

Cineplayers

Estética interessante e um roteiro que descreve de forma divertida uma tragédia pessoal fazem de O Cheiro do Ralo um filme recomendável.

6,0

O Cheiro do Ralo foi lançado em vários festivais, tendo recebido alguns prêmios interessantes. Finalmente chega ao público final nos cinemas, ainda que em lançamento muito limitado, o que é injusto. È um dos filmes brasileiros mais interessantes dos últimos anos, ainda que isso não signifique que seja um dos melhores. No mínimo, vale o preço pela curiosidade. Uma mistura entre comédia e drama pessoais, que não deve agradar ao grande público, por ter elementos impopulares, sobre os quais estarei analisando nos próximos parágrafos.

O ralo do filme, que ganhou destaque em seu título, é uma engraçada analogia ao buraco e à bagunça em que nosso protagonista, Lourenço (Selton Mello), se encontra. A bunda da garçonete do bar, objeto de desejo máximo de Lourenço, é um martírio para ele. Sua existência, cuja vida está indo pelo ralo (seu noivado, problemas com clientes, etc.) é trágica. Não importa muito o que o ralo significa especificamente, basta entender que ele centraliza todos os acontecimentos do filme e, como você pôde notar, os acontecimentos são trágicos e engraçados ao mesmo tempo. Lourenço mantém em sua empresa uma coleção de milhares de objetos abolutamente inúteis, e isso já demonstra o quão deprimente é a sua vida.

Dono de uma estética bastante atraente, o filme proporciona sensação de sujeira e desconforto (apartamento e local de trabalho ambos feios), quase que como espelhando a vida de Lourenço. Combina-se a isso a direção arrojada de Heitor Dhalia (que já é um dos mais promissores da nova safra do cinema nacional – é dele também Nina). Dahlia apresenta planos modernos, lembrando, de certa forma, Paul Thomas Anderson e seu Embriagado de Amor (protagonista transitando nas calçadas em cortes ligeiros, sem muito objetivo). Às vezes a câmera passeia (também sem objetivo maior) pelas construções de concreto (também feias), ajudando a aprofundar a atmosfera quase fétida da vida de Lourenço. Interessante.

Em relação à frase que coloquei lá no começo, “não deve agradar ao grande público”, é porque O Cheiro do Ralo tem cara de ter sido feito para cinéfilos principalmente. Ou pelo menos o grande público não saberá apreciar os detalhes, como o quadro de Acossado ao fundo da sala de Lourenço; ou o pôster de Getaway que logo depois o próprio Lourenço disse nunca ter ouvido falar (a comicidade do filme vem na soma desses pequenos detalhes). O filme tem uma aura pretensiosa de cinema autoral exibicionista, mas o diretor soube se conter e fazer com que esses detalhes não atrapalhassem o todo.

Há um lado feio que nos remete às lembranças do porquê o cinema nacional ainda é mal visto por muitos (público ou crítica): o filme é vulgar, sujo. Bundas expostas (às vezes de forma muito forçada) são o tema central, lembrando a fase negra dos pornochanchadas (aqui, com mais bom gosto, mas ainda de forma vulgar). A drogada que acabou se prostituindo, expondo seu corpo em nu frontal, também é uma cena feia, mas que funciona dentro do espírito do filme. O roteiro é bastante divertido, embora em vários momentos recorra a clichês, como o escândalo armado pela ex-noiva após a separação, ou a garçonete que trabalha com uma mini-saia que apropriadamente se abaixa para pegar algo, revelando seus dotes físicos.

Entre prós (estética e roteiro divertido, ainda que com falhas) e contras (vários clichês, alguns deles irritantes, e uma certa pretensão quase amadora), O Cheiro do Ralo é um filme acima da média em termos de filmografia nacional recente. Não é um ótimo filme e não vai ser bem visto pelo público maior, que vai passar batido. Mas pobre deste público, que não sabe o que estará perdendo.

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