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Críticas

Cineplayers

O tempo como mola propulsora.

9,5
Decerto que o tempo é o senhor de tudo, de todos os caminhos e de todos os destinos, tudo converge ao tempo. Quem me conhece um pouquinho além sabe do binômio 'amor/ódio' que vivo com esse ser, desde que me entendo. Não sei lidar com ele, é um fato... Ora corre, ora se arrasta. Mas sei que a ele devo respeito, porque ele constrói e destrói. E quando a abordagem fílmica de alguma obra esbarra nesse reflexo, acabarei me fascinando e disposto ao mergulho que tais cineastas se propuseram a abarcar.

A Denis Villeneuve nunca faltou tempo, e por conta disso sua carreira vem sendo construída há duas décadas de forma meticulosa. Em sua pátria Canadá surgiu e de lá ecoou, fazendo-se ouvir nos vizinhos; lá chegando, continuou contando histórias de um jeito muito particular, no tempo dele. Pelo tempo largo passou Incêndios, pelo tempo urgente passou Os Suspeitos, pelo tempo exíguo passou Polytechnique, pelo tempo cruel passou Sicario: Terra de Ninguém, pelo caleidoscópio do tempo passou O Homem Duplicado. Então qual será o tempo de A Chegada?

Dentre tantos críticos, fui um dos que acusou Villeneuve de ir até os Estados Unidos da América se diluir, se enxaguar em tramas sem paixão ou sutileza. O tempo meticuloso do Villeneuve canadense não refletia o lugar de fala americano, sempre derramado e definitivo. Se não tinha perdido a alma, a voz parecia claudicante e embargada; tanto a dizer num tempo que não era o seu. Existia e existe beleza nos planos pensados em conjunto com Roger Deakins para contar suas histórias americanas, tem sedução ali, tem vida. Talvez faltasse alma. Pois bem... Dois filmes depois, Villeneuve parece apontar a volta de um tempo muito particular de observação do outro, de contemplação do humano, de reestruturação visual e emocional para com o seu cinema. O bebê híbrido finalmente nasceu e passa bem.

Há a ânsia por espetáculo na qual se caracteriza a produção interna de larga escala do Tio Sam, grande, produzida com muito dinheiro e um estúdio gigante a bancar; mas Villeneuve parece livre, enfim. Um homem disposto e peitudo pra colocar na tela grande em gradação minuciosa de tempo... Uma descrição do tempo. De um tempo. Do tempo de cada um. Ou do que fazer com esse ser tão inconstante e tão necessário. Impressiona a coragem de alguém tão jovem entregar material tão liberto de pressão quando temos ciência de quanta pressão tem por trás de um lançamento em 2500 salas americanas, um produto jogado aos leões que precisa ser devorado com voracidade pela massa. Pois Villeneuve não está nem um pouco preocupado com quem quer que seja, público, executivos ou qualquer tipo de poder; nas barbas da indústria, jogando o jogo da indústria, com as regras da indústria, ele impõe seu ritmo e dita novas ordens, que sabem quem irá validar? Ele, o tempo.

Eu estou do lado de Villeneuve, torcendo e vibrando. Sorrindo junto, chorando junto, incomodado e sendo acalentado junto. O cara quebra uma banca e arrasta a opinião especializada aos seus pés contando uma linda história de amor, uma história desconstruída e ressignificada, sem mocinhos ou vilões mas repleta de uma pureza tão grande de sentimentos que os deslizes sutilíssimos cometidos no segundo ato evaporam ao fim do todo. De posse de um grande roteiro por aquelas bandas (até que enfim!!!), o jovem artesão molda as mais antigas histórias contando com a cumplicidade de quem acredita no futuro, no presente e no passado. Ou seja, de quem colocou tudo nas mãos do tempo.

Visto no Festival do Rio 2016.

Comentários (4)

Jordham Barbosa | sábado, 26 de Novembro de 2016 - 23:33

Um dos melhores de 2016 certamente

Liliane Coelho | segunda-feira, 28 de Novembro de 2016 - 17:40

Excelente filme! Um verdadeiro estudo sobre a essência humana.

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