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Mais uma adaptação de best-seller que pode dar certo.

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A Chave de Sarah (Elle s'appelait Sarah, 2010), longa de Gilles Paquet-Brenner adaptado do best-seller de Tatiana de Rosnay, toca em um assunto delicado (especialmente para o povo francês): o episódio da Razia do Velódromo de Inverno, local de Paris para o qual, entre os dias 16 e 17 de julho de 1942, cerca de 13.000 judeus foram conduzidos antes de serem deslocados para Auschwitz. Trata-se de um filme dividido entre dois focos narrativos: ora assistimos à trajetória de Sarah Starzinsky (Mélusine Mayance), uma menina judia que escapa do lugar onde fora aprisionada para socorrer o irmãozinho deixado para trás, ora à tumultuada busca de Julia Jarmond (Kristin Scott Thomas), jornalista americana que vive em Paris, pelo esclarecimento de alguns fatos que ligam a perseguição aos judeus da França ao apartamento no qual pretende morar com marido e filha.

Sarah é uma determinada garotinha que tranca o próprio irmão em um armário para evitar que ele também seja levado pela polícia parisiense ao velódromo. Já em um campo de prisioneiros, auxiliada por um guarda, ela consegue fugir e retornar para casa a fim de salvar o pequeno Michel. A história da jornalista se passa em 2009, mais de sessenta anos depois do que ocorreu à família de Sarah. Após decidir produzir um artigo sobre o Velódromo de Inverno, Julia descobre que o apartamento, que há décadas pertence à família de seu marido, é o mesmo onde viviam os Starzinsky. Com isso, dolorosas verdades passam a emergir e uma inevitável ruptura familiar ocorre.

A Chave de Sarah é um filme consideravelmente bonito, dono de encantos particulares, construído com certo esmero e que durante os primeiros 50 ou 60 minutos consegue manter-se bem equilibrado sobre o muro que divide os bons filmes populares das destrutivas pieguices que andam de mãos dadas com um substancial número de produções que traçam o mesmo caminho. A aventura da menina, claro, constitui o principal chamariz do longa, uma vez que nela há mais atrativos visuais e sentimentais que na porção que tem como foco a vida da jornalista.

Julia é casada com um francês chamado Bertrand Tezac (Frédéric Pierrot), que, por não conceber a vinda de um novo filho como algo bom, lhe sugere um aborto. O casal, então, começa a passar por um momento difícil, agravado ainda mais pela obsessão da mulher em tirar a limpo tudo o que ocorreu naquele apartamento durante a guerra. Ela acaba descobrindo algumas coisas a respeito de Sarah que a conduzem aos Estados Unidos e à Itália. Na segunda metade, o filme fica mais concentrado no presente, e aí percebemos que as vidas das personagens principais, mesmo pertencendo a épocas distintas, cruzaram-se de maneira significativa. Os objetivos da jornalista, portanto, ultrapassam os limites da profissão e ganham dimensões pessoais.

O principal elo entre essas duas pessoas é a vontade de lutar pela vida daqueles que amam. Sarah age/agiu em função do irmão caçula; Julia, mesmo titubeando em alguns momentos, em prol do direito à vida que tem o filho que carrega no ventre. Diante dessa necessidade de encaixar de maneira coerente os percalços vividos por Sarah aos dilemas de Julia, a sucessão de cenas muitas vezes se dá através de efeitos de continuidade que parecem resumir passado e presente a um mesmo olhar. Merece destaque uma sugestiva cena em que, após ser abruptamente separada de sua mãe, Sarah se encolhe sobre o chão em uma posição que se aproxima da fetal; rapidamente, somos transportados ao presente e flagramos Julia, depois de ter dado a notícia ao marido, olhando para baixo, como se observasse a menina.

A tessitura realizada entre as vidas de Sarah e Julia, no entanto, não consegue ser suficientemente funcional por conta de escolhas narrativas fáceis, organizadas ao gosto do superficial e do mecanismo formulador de acessórios que poucas vezes encontramos longe do lugar-comum. O próprio conflito entre o casal é também em muitos aspectos bastante defectível, mas nada que não se acomode perfeitamente aos paradigmas seguidos copiosamente pelo cinema que se mina de chavões em vazão da concretização - sem qualquer desassossego - de seus objetivos. A Chave de Sarah provavelmente não passará em brancas nuvens, justamente por andar nos trilhos, por ser tacanho o suficiente para não investir nesse terreno de forma mais audaciosa, o que poderia afastar o grande público, já bastante acostumado ao teor melodramático de muitas produções semelhantes. Em suma, apenas mais uma obra que tem de tudo para conquistar um significativo número de apreciadores, sem oferecer nada de muito profundo ou diferente.

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