Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Caminhos interrompidos

5,0

Um trabalho de imersão em um país que os próprios brasileiros pouco conhecem: não era um desafio fácil o de Camila Freitas. Recorrendo a planos de beleza universalizada, a diretora tenta apresentar as dimensões divina e humana em contraponto, no exercício de observar o que ainda possa ser obscuro em Chão. Já fazia tempo que o nosso cinema devia uma aproximação ao Movimento dos Sem Terra, que nunca tinha sido difundido em um longa metragem, pensado para ampliar a relação distanciada do país com um dos maiores movimentos sociais da América Latina. Camila pensou seu alcance dentro do viés macro político, sem jamais perder a conexão com o espectador, isso só poderia acontecer se a aproximação se desse através de outros seres humanos, que fazem a grande luta mas também o dia a dia dos assentamentos.

Camila abre o seu filme com uma cena marcante, que fica fácil entre as melhores do longa. Os protagonistas estão de frente a uma lousa, onde desenham, debatem e sonham com um futuro onde a reforma agrária os alcance e eles possam tem seu pedaço de terra para plantar e criar, é apenas o seu desejo. Figuras atuantes dentro dos assentamentos, tanto a senhora idosa quanto o pai de família tem sua parcela de importância dividida em cena, como se fossem os condutores da humanidade na tela. Através deles o espectador terá acesso ao silêncio da rotina diária mas também ao grupo de elementos que os fazem tão especiais quanto comuns, ao mesmo tempo. Seus sonhos são uma demonstração de que a poesia caminha junto do filme, criando momentos como essa abertura cheia de significados humanistas, ampliando os lugares desses homens e mulheres para além da luta.

No entanto há excessos de propósito em 'Chão', principalmente de exposição a desdobramentos de sua narrativa no qual ficamos de fora de resultados, ou apenas os motivos para manter determinadas imagens que não criam estofo. O filme tem grande parte de seu foco ambientado em Santa Helena, cidade de Goiás que gira em torno de uma usina de cana de açúcar. Em certo ponto, os 'sem terra' invadem esse local como forma de protesto contra o uso de agrotóxicos nas terras do plantio da cana, e o espectador não é informado sobre o desenrolar dessa ação. Em outro momento, uma personagem trans é exposta como fio de ligação de um dos protagonistas, e da mesma forma como aparece em cena, desaparece; sua função acaba carecendo de justificativa, parecendo apenas um apêndice para criar um olhar sobre o movimento LGBTQ de maneira pouco orgânica.

Margeando tais excessos, sobram a capacidade singular da diretora em criar planos desconcertantes (como a onda de pesticidas espalhado por uma plantação em contraste a uma pequena horta sendo regada com água pura, ou quando uma manifestação obriga um trem a parar num plano aberto, ou ainda o céu repleto de cores na subida de um dos personagens até o posto de vigia) para emoldurar um tema dos mais urgentes no país há tantos anos. Mas um grande e pouco abordado tema não pode ser um predicado que perdoe todas as dificuldades de comunicação e construção de uma produção; ficam claras as belas intenções, o talento de Camila Freitas e a felicidade que foi a descoberta dos personagens retratados, que poderiam estar à serviço de um roteiro melhor estruturado, sem abandonar suas escolhas. 

Filme visto no Olhar de Cinema de Curitiba

Comentários (0)

Faça login para comentar.