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Críticas

Cineplayers

O bom uso de alguns clichês.

6,0

Há um momento crucial na reta final de Chamada de Emergência (The Call, 2013), em que finalmente o roteiro abre mão de proteger sua protagonista atrás de uma mesa de atendimento do 911, e rompe-se em uma arriscada jogada, ao redirecioná-la ao posto de investigadora policial. Jordan Turner (Halle Barry), operadora do serviço de emergência, pediu afastamento de seu cargo depois de um acidente terrível durante uma ligação, em que uma adolescente acabou sendo morta por serial killer enquanto estava na linha pedindo socorro. Seis meses depois ela acaba se encontrando numa situação igualmente desesperadora quando é obrigada a atender outro chamado de uma garota em perigo, e percebe que pode se tratar de mais uma na lista do mesmo assassino de antes. Desta vez Jordan fará de tudo para não errar de novo, orientando Casey (Abigail Breslin), que está no porta-malas do carro do criminoso, a conseguir escapar.

A jogada arriscada na reta a qual me referi se dá quando, depois de todos acharem que Casey já é um caso perdido, Jordan decide por conta própria investigar seu paradeiro e salvar a garota. Até então o que temos é uma linha até racional e pé no chão, e de repente a fantasia cinematográfica se sobrepõe ao realismo das situações e joga em cena uma típica heroína unidimensional de um thriller qualquer, que se arrisca a enfrentar frente a frente um serial killer com o dobro da sua força. Jordan deixa de ser o arquétipo de garota comum em um filme comum e passa ao posto de uma inconsequente Clarice Starling, em uma “operação” de resgate à lá O Silêncio dos Inocentes (The Silence of the Lambs, 1991), atrás do confronto com seu particular Buffalo Bill, para salvar sua Catherine Martin, e conseguir finalmente deixar de ouvir os “gemidos dos carneiros” que lhe atormentam desde que deixou a primeira garota morrer na linha.

Claro que tudo está em moldes infinitamente menores que os da obra-prima de Jonathan Demme. Mas o interessante na composição de Chamada de Emergência é a ciência do próprio diretor e roteirista das limitações que uma premissa tão bobinha como essa poderia alcançar. Por isso, desde o início, eles não tentam esconder os clichês mais do que óbvios, a começar pela protagonista que teve um pai policial que morreu e lhe deixou inúmeras lições de vida a serem seguidas, o namorado dela que só serve de “ouvido” para que a personagem tenha como exteriorizar seus sentimentos sem parecer uma maluca falando sozinha ao estilo novela das oito, a irritante ineficiência dos policiais em localizarem o bandido, e o próprio assassino que não passa de uma tipificação barata, e não um personagem no qual se nota muito cuidado por parte dos roteiristas.

O interessante está na forma como eles usam esses clichês, só que por caminhos um tanto diferentes. A começar, pelas duas personagens principais, interpretadas por Halle Barry e Abigail Breslin. Elas são o único interesse na história toda, por isso todos os personagens secundários são extremamente periféricos, incluindo o vilão. Michael Foster (Michael Eklund) é só um artifício usado de forma convencional para criar um conflito na história, apenas um peão desimportante no tabuleiro que serve de pontapé inicial. O xis da questão é a relação da operadora com a vítima via telefone, em que uma vai orientando a outra a seguir diversos planos de fuga de dentro de um porta-malas. Quando essa situação da ligação telefônica entre elas se finaliza, o roteiro se arrisca em colocar Jordan na cola do assassino por conta própria.

Outro recurso inteligente na trama está em fugir dessa mania que todo santo filme de serial killer insiste, ao jogar em cena várias e várias personagens que só servem como touro indo para o abate, apenas vítimas sem qualquer interesse para o maníaco matar e assim assustar a plateia (como se precisássemos disso para entender que ele é, de fato, um assassino em série). Chamada de Emergência opta por outro caminho, muito mais eficiente. Logo em seu início apresenta a primeira vítima, o que nos serve de base para entender como o vilão age e até onde ele pode chegar, e depois resiste à tentação de colocar cenas e mais cenas de mortes seguidas, cada qual mais aterrorizante que a outra, para se ater à apenas mais uma vítima. Casey, a segunda garota raptada por Foster, é mantida viva durante toda a projeção, o que impede que o filme perca sua tensão por um minuto sequer. Enquanto a vítima ainda está viva, a tensão continua em alta.  A partir do momento que vai morrendo um personagem atrás do outro, logo o espectador cansa e não há fôlego para continuar – o que não é o caso aqui. No total são duas vítimas, um bandido e uma mocinha. Com o mínimo se alcança o máximo.

A cena derradeira vai ainda mais além do risco tomado pelo roteiro momentos antes e finaliza a obra com um clima um tanto trash, contaminando a experiência e despindo todo o filme daquela carcaça hollywoodiana, e mostrando que por dentro aquilo tudo não passa de uma subespécie de filme B feminista inconsequente (o penteado de poodle de Halle Barry contribui para essa sensação), sem qualquer compromisso com as convenções. Julgar se essa despirocada cabe mais como um erro do que como um acerto, fica a cargo de cada espectador decidir por si só. Só não vale reclamar que o final, ao contrário de todo o resto do filme, é somente clichê.

Comentários (3)

Eduardo da Conceição | quarta-feira, 17 de Abril de 2013 - 13:34

É impressão minha ou o site deu uma bela de uma guinada de umas duas semanas para cá? Não é uma reclamação, estou gostando de ver tantas críticas.

Renato Coelho | segunda-feira, 15 de Julho de 2013 - 15:08

O filme tem mesmo alguns clichês que são usados de maneira correta. Porém, a ideia do filme é desgastada, mais do mesmo. Já assisti O Colecionador de Ossos, Silêncio dos Inocentes (não coloco os dois com a mesma importância, óbvio), e não dá pra engolir Chamada de Emergência. Tudo bem que o filme funciona como entretenimento, afinal todos querem ver no que vai dar etc. No entanto, parece óbvio que a menina vai sobreviver, que o assassino vai morrer e que a mocinha do filme, Halle, vai sair de sua cadeira acochoada para viver uma noite alucinante na pele de Kate Marrone, a policial mais durona das séries americanas. E o óbvio deve ser esquecido, ou pelo menos assim deveria ser. Aliás, falando em assassino, quem é esse ator que colocaram para atuar hein?!? Mais parece um jogador de basquete preocupado em manter a cara de tonto. Mais uma falha num filme de bons clichês, mas usados de maneira incorreta mais uma vez pelo cinema.

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