O poeta de uma geração merecia um filme melhor, mais profundo e que explorasse melhor suas características.
O poeta de uma geração merecia um filme melhor. Não que Cazuza: O Tempo Não Pára seja ruim, mas o ar de ingenuidade presente nos acontecimentos do filme incomoda. Também, baseado em uma biografia que a própria mãe do cantor escreveu, é claro que os momentos mais obscuros, e talvez os mais interessantes e que ajudariam a entender melhor suas atitudes, foram deixados de fora em pró de uma história mais leve e somente com aspectos positivos. Claro que essa foi uma opção da diretora Sandra Werneck com co-direção de Walter Carvalho e ninguém tem nada com isso.
Essa ingenuidade ainda é agravada pelos saltos que a história dá. Em certo momento do filme, estamos vendo Cazuza dando os primeiros passos em um estúdio. Meia hora de filme depois, estamos no magnífico Rock in Rio, pleno Barão Vermelho, com platéia lotada ovacionando a banda e o cantor. Com esse salto, o filme ganhou um outro agravante: o modo superficial, raso, com que esses fragmentos da vida de Cazuza foram explorados. E, por ser raso, fica difícil entender o porquê de tanta agitação ao redor daquele grupo.
Essa superficialidade se dá também nas interpretações das músicas, que tomam outros significados devido ao modo ingênuo no qual o filme é conduzido. Sua revolta não é entendida, suas atitudes têm outras interpretações. É só pegar a letra de O Tempo Não Pára, pegar um livro sobre o cantor ou dar uma boa pesquisada na Internet e comparar com a interpretação sugerida pelo filme. Some a ironia, some a revolta, some a marca Cazuza. O psicológico do cantor não existe dentro do filme. O filme Madame Satã, por exemplo, poderia ter esse ar que o filme Cazuza teve. Não que eu esteja comparando os dois pelo fato de terem protagonistas homossexuais (a propósito, nem quero entrar nessa questão, já que sua importância não está na sexualidade, e sim no caminho percorrido pelos personagens), e sim pelo modo como exploraram o subconsciente em que cada personagem fora baseado.
Isso resulta em uma obra extremamente leve, talvez para agradar a todos. Ou pelo menos a grande maioria. E, visto por esse ponto, até que ele funciona. Perdi a conta do número de pessoas emocionadas ao final da sessão em que estive presente. Isso porque o fio condutor nos leva rapidamente até o ponto em que o cantor fica doente. Essa cena é bacana. Sandra não procura um porquê ou quando, o acontecimento é apenas tratado como conseqüência do modo de vida do cantor. Nesse momento, vemos um desenvolvimento maior por parte de todos os aspectos do filme: desde o roteiro, que aprofunda mais a situação e o novo modo de vida de Cazuza, até a direção de arte, com um trabalho de maquiagem impecável feito em cima do ator Daniel de Oliveira (idêntico ao cantor).
Aliás, a interpretação do jovem ator mineiro merece aplausos. De longe, a melhor característica do filme. O jeito malandro de Cazuza foi fielmente transposto para a tela, resultado de um árduo trabalho em cima do ator, que passou a freqüentar os mesmos lugares que o cantor ia, foi à aulas de interpretação corporal, vocal e de interpretação. Completando o elenco, temos os pais de Cazuza interpretados por Reginaldo Faria (inexpressivo, sem força, talvez até mesmo pelo jeito no qual o pai foi caracterizado no filme) e Marieta Severo (essa sim dominou suas cenas). Frejat ficou por conta de Cadu Favero, também sem grande destaque (seria, novamente, culpa da autora da história original em que o filme fora baseado?).
Cazuza - O Tempo Não Pára acaba por ser uma obra emocionante e extremamente gostosa de se acompanhar por não haver o lado sombrio da vida do cantor retratado. Há humor, há emoção, há belíssimas músicas, tudo o que um filme deve ter para fazer sucesso com o público. Mas analisado um pouco mais a fundo, como obra cinematográfica até, ficou devendo. Não vai passar em branco devido ao sucesso feito, mas também vai ser difícil lembrar-se no futuro como algo marcante e inesquecível como o próprio cantor é até hoje.
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