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Críticas

Cineplayers

Bebedeira, pancadaria e salto alto.

7,5
Enquanto espera por notícias de seu filho que se encontra lutando pelo país na guerra em algum país distante, uma empregada doméstica passal mal de tanto rir ao assistir na TV um programa de jornalismo sensacionalista em que o âncora cede lugar a um homem seminu que fica peidando ao som de vinhetas de risadas típicas de uma sitcom americana. Não interessa a telespectadora as notícias terríveis sobre a economia, desigualdade e violência apresentadas com deboche pelo apresentador, e sim o alívio cômico das aparições do intruso flatulento. Catfight (idem, 2016) se passa em um tempo futuro não especificado, mas o que vemos em cena nada mais é do que um retrato exagerado, porém não menos real, de nosso presente. 

A história parte de um conflito bobo e fútil entre duas ex-colegas de faculdade que se reencontram numa festa. Ashley (Anne Heche) é uma artista sem sucesso que é obrigada a engolir o orgulho e trabalhar como bartender no evento, onde é reconhecida por Veronica (Sandra Oh), esposa troféu de um rico homem de negócios. O embaraço causado pelo encontro inesperado e pelo fato de uma estar evidentemente melhor de vida do que a outra reascende uma rixa latente e não muito tempo depois as duas estão trocando farpas em uma escada de incêndio, o que resulta numa briga corpo a corpo de consequências catastróficas. Ao longo do filme o jogo vira diversas vezes, cada hora colocando uma em situação de vantagem sobre a outra num eterno ciclo autodestrutivo de porrada e bebedeira. Mas enquanto Ashley e Veronica só querem saber de se atracar e cobrar vingança uma da outra, o diretor Onur Tukel adota um distanciamento que permite ao espectador ver o comportamento animal delas como resultado de um ambiente social e político decadente e muito bem maquiado pela mídia. 

O tom adotado por ele é sempre de ironia e sarcasmo, erigindo um filme de mordaz humor negro em cima de alguns clichês do cinema americano. Começando por colocar duas personagens comuns, mulheres, num constante embate físico digno de um filme de kung fu masculino. Não cabe ao diretor encaixá-las dentro de qualquer protótipo feminino esperado, pois o gás que propulsiona a trama, seu maior fio narrativo, é o interminável ciclo de pancadaria exagerada e brutal promovido a cada novo encontro entre as duas personagens. Ode à força feminina? Não: constatação aterradora sobre o alcance da violência institucionalizada dentro da sociedade. Antes mesmo de se cruzarem, Ashley e Veronica são puro ódio diante de suas frustrações pessoais e só conseguem lidar com eles por meio de álcool, briga ou desdém.  

As atrizes carregam muito bem a fúria das personagens e o humor presente mesmo nas situações mais grotescas de mordidas, chutes, tijoladas e pisadas, quase como num autêntico exploitaition. Paralelo a elas, Alicia Silverstone faz uma participação especial como uma futura mãe tão bitolada com as paranoias do mundo moderno, que é incapaz de planejar uma vida minimamente normal para seu futuro filho. Sandra Oh, por outro lado, despreza as aspirações pacifistas e artísticas do filho adolescente, mas não liga de apoiá-lo a entrar de cabeça na guerra pelo país. 

É muito difícil no cinema americano encontrar um filme tão honesto, cru, anárquico e que ainda se vale da comédia como forma de abordagem. O eterno looping da narrativa frisa um ciclo vicioso de ação/reação, causa/efeito, que prende o homem tanto em sua condição como indivíduo como no coletivo/social num consumo e prática de violência e paranoia sem fim. Enquanto está condicionado dentro desse fluxo, não percebe que no mundo lá fora seus filhos estão morrendo em guerras e pessoas estão sendo discriminadas por sua cor de pele – também formas de violência mais silenciosas e corroboradas por uma nação hipócrita que prefere rir de um homem peidando ao vivo do que se deixar atingir pelas notícias do dia. Ainda escapa muito bem de uma conclusão moralista do tipo “no fundo, elas se reconhecem como iguais”. Pelo contrário, seu final deixa claro que a violência já é parte indissociável do homem e que num futuro não tão distante se tornará a única ferramenta dele diante do adverso. 

Comentários (1)

Mathias Reis | quinta-feira, 20 de Julho de 2017 - 15:39

Achei desneccessário no filme o contexto dos Estados Unidos estarem passando por uma guerra no Oriente Médio.

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