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Críticas

Cineplayers

O hiato sensorial.

8,0

Exprime-se a impossibilidade da comunicação a partir de um relacionamento acidental, mutável e mudo. Essa comunicação, exaltada por gestos e olhares, suficiente em aproximar oprimidos, sugere um consentimento projetivo referente à identidade do outro, o que torna a relação amorosa que testemunhamos possível. O vazio reside na vida de seus personagens solitários, esses que percorrem ruas numa fuga consciente de sua única companhia. A imagem é um atributo fundamental para o experimento e as inadequações sociais é um dos interesses do afetivo cinema de Ki-duk Kim, tal como fizera em A Ilha (Seom, 2000), Samaritana (Samaria, 2004) e especialmente em Fôlego (Soom, 2007).
 
Um jovem passa seus dias arrombando portas, passando horas dentro de casas estranhas enquanto os moradores viajam. Ele toma banho, come, dorme, vê televisão, vive vidas alheias, enche a lacuna de seu tempo inerte com a intimidade de outros, buscando algum sentido naquele universo distante a qual ‘sobrevive', dando em troca auxílios domésticos. Logo vai embora após tirar uma foto ao lado de algum retrato de família, como se ali pertencesse. E como saber em qual casa ir? Ele entrega panfletos e retorna no dia seguinte certificando se esses foram removidos pelo morador. Se não, é provável que a casa esteja vazia. São vários os alvos ideais para suas pretensões.

O cineasta sul coreano Ki-duk Kim utiliza de símbolos para contar uma história de cumplicidade, onde dois jovens se cruzam, não se falam e se atam silenciosamente enquanto outros em volta desferem palavras e não se compreendem. É tradição da filmografia do diretor constatar os espaços em volta de seus personagens, detidos as circunstâncias psicológicas, ao passo que exprime os sentidos. Nos concentramos nos detalhes especificados em cada quadro. Sua ótica por vezes me fez lembrar de Antonioni com sua noção de tempo e espaço. A narrativa nunca é corriqueira, embora a vagarosidade seja um ritmo adotado com eficiência a proposta que muitas vezes intenta, expondo assuntos marginalizados involuntariamente como se não representassem tabus. São naturais, e transcorrem naturalmente.

A dinâmica disposta em Caza Vazia é invariável, mantém-se num plano de facetas de opressão através do casal central imerso na omissão do prazer, são estranhos incompletos em busca de equilíbrio, de recompensas. Se de um lado o homem, Tae-Suk (Jae Hee), explicita sua solidão no universo do outro, a mulher, Sun-hwa (Lee Seung-Yeon), vive semelhante condição, porém em seu próprio território, entre as paredes e sob o regime dominativo do marido. Os laços entre eles se dá pela projeção semelhante das sensações que experimentam. A mise-en-scène entrega toda a simbologia de afastamento/aproximação, capturada pela sublime fotografia.   

O cinema sul coreano vem chamando atenção nos últimos anos com pelo menos 4 grandes cineastas: Sang-soo Hong, Joon-ho Bong, Chan-wook Park e Ki-duk Kim. Distintos temas – geralmente críticas sociais, solidão e vingança – expandem a arte oriental que conta com imagens exuberantes, planos longos e narrativas cadenciadas, tendendo ao apreço sensorial do espectador.

Personagens saem de cena, não os acompanhamos. Sem palavras e dispersos em suas buscas constantes por ajustamentos, encontram-se no silêncio e no afago. De ótica pouco convencional, mas de fundamento e intenção precisa, Casa Vazia desdobra-se do drama romântico a fantasia mística, deixando questões em suspensão. Não são poucas as cenas em que nos pegamos questionando o que está acontecendo, se é realidade ou não. É belo em diferentes pontos de vista, a estética simboliza a frieza íntima dos protagonistas. E fica dado o recado: há quem fala demais. E palavras nem sempre são o que as pessoas precisam. É preciso mais, o cinema compreende isso, as convenções sociais, aparentemente, não.

Comentários (11)

Marcelo Leme | sexta-feira, 21 de Fevereiro de 2014 - 07:16

Também não gosto de A Ilha. Samaritana é bem bom e não vi Sonho.

Da filmografia dele, Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera e Fôlego são filmaços. Muita gente não gostou de Pietà, eu achei um baita filme.

Adriano Augusto dos Santos | sexta-feira, 21 de Fevereiro de 2014 - 10:42

Em maior ou menor grau gosto de todos os seus (Pietá talvez não).

Mas esse aqui é criativo demais.Um dos meus preferidos de todos.

Pedro H. S. Lubschinski | sexta-feira, 21 de Fevereiro de 2014 - 15:12

Não assisti, mas a crítica me motivou a fazer isso hoje à noite :)

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