2,0
Lars Von Trier parece ter encontrado um espelho pela primeira vez, como uma criança que se encanta com a própria imagem ao descobri-la. Lá em Ninfomaníaca isso já estava explícito, quando Lars coloca sua persona à disposição da protagonista, reproduzindo sua voz e seus pensamentos na personagem-título. Na ânsia de vencer o cabo de aço que vem disputando com o mundo nos conflitos em profusão em que se envolve (com a imprensa no geral, com os críticos, com seus detratores, com Cannes), o dinamarquês fez de seu cinema uma plataforma de seus discursos particulares através dos protagonistas; tanto na produção anterior quanto na nova produção o ato de contar uma história é substituído por um megalomaníaco desejo de ter voz. No caso, a mesma voz em ambos os filmes.
Em A Casa que Jack Construiu essa exposição se torna também cansativa, quando ele torna a apontar suas armas na direção da plateia e de quem mais se sentir atingido. Não há novidade de nenhum tipo, apenas uma repetição de estrutura dramática, de intenção metafórica, e de gritaria exacerbada. Mais uma vez, o personagem-título passa por uma situação com um ouvinte onde ele contará sua vida; esse ouvinte dirá que não o chocará mas logo estará sim chocado; as conversas entre eles abordam fé muitas vezes, e figuras sacras a todo momento; ambos os protagonistas não passam de alter egos do próprio diretor, que utiliza do seu poder como comunicador para difundir não apenas sua visão de mundo como principalmente o atual estado das coisas entre ele e o mundo que o cerca. É uma posição de profunda onipotência em relação ao outro e uma forma pouco sutil de se mostrar auto centrado.
Tecnicamente é um filme com o rigor típico dele. Manuel Alberto Claro está de volta à fotografia e, conforme o filme avança, os méritos de seu trabalho se tornam evidentes. O trabalho de edição não realiza nenhum grande feito, pelo contrário, o filme parece repleto de sobras, e mesmo a mão de Lars está tímida e pouco presente, como se o projeto tivesse uma força narrativa diferenciada que justificasse uma sobriedade; ainda que esse tom sóbrio desapareça em seu desfecho, é um filme de duração excessiva sem necessidade, e esse diferencial de sua reta final não produz diferença que lhe faça jus. A tão propalada violência extrema do filme parece apenas um trabalho de marketing para vender o material. Uma cena em particular surte um certo efeito, mas a questão não seria um incômodo e sim uma dúvida quanto ao bom gosto e a validade sobre tais ações, que no fim das contas parece apenas interessado em chocar gratuitamente. Também o elenco não surte qualquer efeito, um punhado de participações especiais sem qualquer brilho e um protagonismo em Matt Dillon que só demonstra o motivo pelo qual ele está em aparições cada vez mais esporádicas; aqui lhe falta principalmente carisma, como em geral são os serial killers.
A necessidade de aceitação e a postura virulenta com a qual Lars Von Trier passou a se relacionar parece ter drenado seu talento. O homem que já produziu Dogville, Melancolia e Ondas do Destino hoje não corresponde a uma mera pincelada em seu momento atual. Saiu a provocação através da imagem, através da dramaturgia, e entrou em cena a criança do primeiro parágrafo, que está há alguns anos fazendo pirraça e tentando provar suas teses através do grito. Se antes ele obtinha nossa atenção e nosso debate para o desenvolvimento de suas narrativas, hoje ele promove escândalos ao redor do próprio umbigo e de uma certeza a respeito da própria qualidade, de uma aparente perseguição a ele causada por ele mesmo, além do reluzente desfile em película das principais acusações de seus detratores: a misantropia e principalmente a misoginia, a segunda impávida cena a cena.
Auto propaganda, auto indulgência e a certeza de uma importância auto apregoada fizerem de Lars e do seu cinema algo extremamente aborrecido e redundante. Ora, se o autor tenha plena consciência de seu próprio talento, pra que alguém precisa debate-lo ou discorrer sobre o mesmo? Hoje o grande autor europeu do passado vive de bradar o seu próprio talento sem atestar em ação concreta onde esse talento está. Lars Von Trier infelizmente a cada dia que passa está cada vez mais sozinho, imerso na própria autossuficiência.
Filme visto na Mostra de Cinema de São Paulo
O primeiro paragrafo desse texto é tudo que eu penso do Von Trier
Fala mal a vida inteira.. mas foi assistir na primeira semana né kkkkk
Estamos de olho
mas foi assistir na primeira semana né
Filme visto na Mostra de Cinema de São Paulo
Sim, to sabendo kkkk primeira semana é modo de falar
Eu pretendo assistir na Mostra também, se possível nesse domingo no CineSesc que é mais em conta