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Críticas

Cineplayers

Uma esquisitice convencional.

5,0
Ator de filmes como Psicopata Americano e O Aviador e de séries de televisão como Silicon Valley e American Horror Story, Matt Ross tem seu primeiro destaque na carreira de diretor no seu segundo longa-metragem Capitão Fantástico, que traz Viggo Mortensen à frente do elenco. Certamente é um filme que atrai atenção sobre si, haja visto o título e o enredo inusitados, o grande ator liderando o elenco, a roupagem alternativa e a vitória de Melhor Diretor na Un Certain Regard, premiação do Festival de Cannes para novos destaques do cinema que sejam originais e diferentes.

Mas bem, assistir Capitão Fantástico desmancha essa impressão em alguns segundos. A sensação indie do ano chega com uma sensação de estranha normalidade. Estética que vai se tornando cada vez mais popular, o cinema indie sedimentado lá atrás por diretores como Jim Jarmusch, Hal Hartley e posteriormente Wes Anderson chega nos dias de hoje cada vez mais convencional. E o caso do filme de Matt Ross não é diferente.

Ver a história de Ben, um homem que cria seus seis filhos em uma floresta através de treinos de sobrevivência, educação caseira exigente e sinceridade acima de tudo, com firmes princípios contra o consumismo desvairado e fútil da sociedade atual, chega a ter seu charme no início; o filme tem um senso de humor inusitado, e é realmente curioso ver um pai falando abertamente sobre sexo com os filhos, ou ver como os filhos são pequenos gênios versados em uma grande gama de conhecimentos e habilidades - matemática, literatura, escalada, caça, primeiros socorros…

Mas também tem a parte onde o filme abandona sua faceta esquisita para tornar-se mais comum e tentar se relacionar com o espectador que não faz parte daquele mundo, de forma que possa rir a uma distância segura de como aquela família é diferente e funcional à sua própria maneira. É a parte em que o filme vira um road movie, quando temos o suicídio da mãe e a saga de Ben em levar os filhos para a grande cidade num trailer até o enterro da mesma. 

E também quando vira um feel good movie, onde tem que aprender a conviver em harmonia com o sogro, um homem tradicional e cristão que não quer respeitar a vontade da filha, budista, em ser cremada e aceitar que educar os filhos com rédea tão curta os tolheu bastante em liberdade e impediu muito o desenvolvimento de suas capacidade sociais. Por mais que tenha feitos grandes progressos - sua filha de oito anos sabe falar sobre a Declaração dos Direitos sem pestanejar - também aprende que tem de deixá-los ir viver a própria vida. 

Sentimental ao falar sobre superação e aprendizado com os próprios erros, o filme é tão expositivo que se torna cansativo, tornando muitos de seus dramas comuns e com diálogos um tanto genéricos e didáticos em seu desenvolvimento. Há personagens demais - pelo menos metade dos filhos tem destaque apenas como alívio cômico ou para demonstrar o talento com a música e os outros tem tramas que apenas alongam o filme sem independência alguma, sempre subservientes em mostrar os erros e acertos de seu protagonista. Isso gera um sem número de cenas desnecessárias que cedo ou tarde percebe-se que um ou dois filhos já estaria de excelente tamanho. E mesmo não sendo um filme curto - soma duas horas de projeção, algumas resoluções de personagens no terceiro ato soam apressadas, sem preparação e nem consequência. A decisão é tomada e fica por isso mesmo. Os apêndices do protagonista o transformam e o redimem, mas nunca ganham em tridimensionalidade.

Tal sentimentalismo também se reflete não só na narrativa do roteiro, mas também na construção da mise-en-scène. O filme tem uma forte simpatia pelo seu personagem e mesmo que o reconheçamos como um radical, seu lado reprovável e sombrio nunca é tão julgado quanto seu lado bem-intencionado. Enquanto o sogro é rude, seco e interage em cenas de plano aberto e sem música alguma, as cenas de fundo do poço que o protagonista vive são recheadas de closes e trilha sonora contemplativa e genérica. Composições de quadro muitas vezes são tímidas, com a decupagem apostando no feijão do arroz, onde a identidade visual reside mais na fotografia e na direção de arte hipercoloridas. E esse é o maior problema quando falamos de roupagem indie.

Indie enquanto cinema marcou gerações dos anos setenta para a frente, atingindo o apogeu entre as décadas de 90 e 00, tendo referências iniciais filmes como os de Hal Ashby e suas tramas subversivas e anticonvencionais (como Ensina-me a Viver), os longos plano-sequência estáticos de Jim Jarmusch com suas histórias sobre o nada (como Estranho no Paraíso), as estruturas dramáticas abertas de Hal Hartley (A Incrível Verdade, Simples Desejo) ou as composições anti-naturais em matéria de narrativa e estética de Wes Anderson (Os Excêntricos Tenenbaums, A Vida Marinha com Steve Zissou). 

Capitão Fantástico, por sua vez, está mais aparentado com filmes que descobriram o lado comercial do gênero - Pequena Miss Sunshine, Juno, 500 Dias Com Ela, Minhas Mães e Meu Pai… E a lista se estende. A trama subversiva é normalizada através dos plot points e momentos de catarse emocional; a composição anti-natural (como os figurinos berrantes e exóticos) é pouco valorizada pelas construções de cena como algo além de mera excentricidade - não está lá como provocação plástica, mas apenas atendendo a uma tendência estética, a um gênero. 

Esse é o calo de Capitão Fantástico: definitivamente querer fazer parte de um gênero que aparentemente ganhou regras escritas ao invés de ser um terreno libertador para experimentação formal. É fórmula atrás de fórmula, que certamente não ofenderiam em um nível puramente técnico -  o roteiro é redondo, tem drama e tem humor, o protagonista embarca em uma jornada e volta diferente dela, tem subtramas, a direção vai do descritivo ao emocional de forma harmonicamente fluida... E esse é o problema dos filmes supostamente alternativos - os protagonistas cantam músicas de rock, se vestem de maneira bizarras, destilam referências culturais em seus diálogos… Mas não poderia ser mais parecidos com os drama água-com-açúcar sem a pecha (ou alvará) de “serem diferentes”. Não inovam, não provocam, não rompem. E cansam, e muito, em todas as suas afetações excessivas que logo larga o humor para se levar a sério demais. 

Em breve, a tal “sensação” irá ficar morna até o próximo hit independente surgir, em um ciclo vicioso e autocentrado demais para admitir que grande parte dos filmes alternativos hoje não passam dos gêmeos hipsters dos filmes enlatados de estúdio. Quando até o espaço que primava pela singularidade começa a ficar comum, hora de bisbilhotar o panorama para descobrir o cenário da próxima revolução, pois este em específico já começa a soar um tanto reacionário.

Comentários (2)

Ricardo Amaral Guedes | segunda-feira, 23 de Janeiro de 2017 - 18:05

O indie atual é Nicholas Sparks com camiseta do Joy Division. Ou seja, só na fachada.

Paulo Matheus | quarta-feira, 25 de Janeiro de 2017 - 00:01

"Capitão Fantástico, por sua vez, está mais aparentado com filmes que descobriram o lado comercial do gênero - Pequena Miss Sunshine, Juno, 500 Dias Com Ela, Minhas Mães e Meu Pai"

acertou em cheio

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