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Críticas

Cineplayers

Brasil em 2018. Ou em qualquer época.

6,5
Primeiro documentário brasileiro do diretor francês Quentin DeLaroche, Camocim é o retrato de Camocim de São Félix em época de eleições, época em que a cidade literalmente pára, pintando-se de azul ou de vermelho por um mês e meio de pura intensidade político-partidária. E aqui, antes de ser uma reportagem, é um mergulho.

Um mergulho na vida de Mayara Gomes, cabo eleitoral do candidato a vereador César Lucena e elencada a personagem principal do filme moldado como “mosca na parede”, com Delaroche jamais pretendendo se trazer à categoria de participante efetivo. Não há comentários, narrações em off, nem nada do tipo. O cinema direto (direct cinema) tornado célebre em filmes como Grey Gardens e Gimme Shelter, mas no interior de Pernambuco. 

A política é mostrada como um cenário de frustrações e também sonhos. Mayara filma os vídeos de César Lucena, opina nas gravações de seu jingle, anda de carona em um carro em um megafone, conversa com as pessoas em bares. As próprias pessoas dos bares, algumas mais soltas e outras mais envergonhadas em frente à câmera - que assume isso enquanto linguagem - opinam sobre suas visões em políticas e em certo grau escancaram uma questão bastante presente nos nossos tempos, que se assemelha às eleições de 1989: a crise de perspectivas e representatividade. 

O olhar estrangeiro não encara com exotismo, mas com curiosidade: em um país já ferido e fragmentado pela polarização política entre diferentes grupos sociais, suas cidades pequenas do interior apresentam o mesmo conflito, ainda mais intenso. A cidade pára para a política, as ruas são ocupadas, os políticos discursam para um mar de gente de cima de trios elétricos, igrejas viram palco para política, de vez em quando conflitos físicos estouram, por outra ficam só na ameaça. 

O filme expande perspectivas para além do dia-a-dia de Mayara Gomes, expandindo também nossa compreensão de Camocim, mas ao mesmo tempo perde um pouco de seu norte, muitas vezes apenas juntando as imagens sem muito propósito ou caminho, o que nos faz aguardar o retorno da personagem e sua força inabalável e princípios maiores que a vida - cobra do candidato César que naquele período esqueça que é sua amiga, fala com um conhecido na rua para não votar nele, pinta paredes de igrejas, canta músicas ao violão com desconhecidos no bar. E diz que, mesmo com todo o esforço, se o partido que apoia a decepcionar, está pronta para trabalhar para o próximo. Sua utopia está acima disso.

Camocim é um filme que, apesar de ser um recorte de um momento específico, também é curioso de assistir nesses tempos em qualquer lugar. Acontece em Camocim de São Félix mas acontece no Rio de Janeiro, Porto Alegre, Salvador, Manaus, em cada município e bairro de nosso país: por um mês e meio nos pintamos de cores, gritamos com quem está de outra, somos vocais ao pronunciar nossos valores e princípios, nossos desejos para aquele momento, nossas decepções com o passado, nossa angústia com o futuro. Quase sempre pungente e impactante, ao observar a ilha, Quentin observa o continente.

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