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Críticas

Cineplayers

O mais novo de Bruno Vianna passa longe de ser bom, mas fica de parabéns por tirar do papel um filme com poucos recursos.

4,0

Há em Cafuné, estréia em longa-metragens de Bruno Vianna, algo que há muito tempo não se sentia em um filme de paisagem carioca, ou mesmo brasileira: aquele quê de verdade, de verossimilhança, de identificação. Não há dúvida que, a despeito de todo o cenário construído pelo roteiro, o filme se lança como uma grande declaração de amor à cidade do Rio de Janeiro, e isso é exalada desde o primeiro plano. Mesmo que, para isso, fuja de qualquer tipo de convencionalismo do qual a cidade sempre é vítima. Não vemos garotas de biquíni, nem cartões postais. Muito menos o Cristo Redentor (nem nós, espectadores, nem os personagens)...

Bruno Vianna, curta-metragista premiado, teve de realizar o projeto com pouquíssimo dinheiro.  Aliando o discurso marginal do filme a uma jogada de marketing inteligente, disponibilizou, no mesmo dia de lançamento nos cinemas, o filme para download. Foi além: as pessoas poderiam baixar uma versão mais longa para posterior edição em casa. Todas essas inovações, para o sempre estagnado mercado brasileiro, trouxeram fama, mesmo que pequena, a um filme que poderia facilmente passar batido. Cafuné já é, desde então, um marco do cinema nacional contemporâneo.

Isso não quer dizer que o filme seja necessariamente bom. Aliás, passa bem longe desse patamar. Cafuné tem uma infinidade de problemas, quase todos ligados diretamente ao seu roteiro, que não desenvolve como deveria a trama central – a relação entre uma moça de classe média da Zona Sul e um jovem rapaz da periferia. Ao invés de concentrar-se nessa história, Vianna – que também é o roteirista – enxerta algumas situações paralelas que acabam não dizendo o porquê de estar ali e que, por final, parecem apenas preencher uma metragem já pequena. Não sei se por falta de orçamento ou por vontade criativa, o filme parece ter mais a dizer do que propriamente discursa.

O eterno conflito entre classes sociais é personificado aqui por Débora (Priscila Assum, de Como Nascem os Anjos), garota bonita do Leblon que, após incidente na praia, passa a se relacionar com Marquinhos (Lúcio Andrey, que tem alguns filmes no currículo, como Orfeu e O Homem do Ano), rapaz gente boa da periferia. A princípio, a família dela parece não concordar com o romance, mas aos poucos tudo vai se ajeitando – sem maiores conflitos, por sinal – até que a violência se encarregará de dar um trágico destino a essa relação. Violência esta que Vianna, intencionalmente, mantém afastada a todo custo do primeiro plano, seja do lado de fora dos vidros de um automóvel, seja com estampidos ouvidos dentro de casa.

Não se entende muito bem o porquê de se desenvolver histórias como a do casal formado entre o irmão de Débora e uma proprietária de uma galeria de arte. Sim, eles funcionam como termômetro daquilo que não funciona em uma classe média cada vez mais próxima de uma realidade antes relegada apenas aos mais humildes, como a falta de perspectiva e de ascensão econômica, além de serem o gatilho do clímax, mas há um excesso desnecessário de cenas – pareceu-me uma trama deslocada demais do restante. Outra personagem, ainda mais perdida, é da moça viciada em auto-retratos fotográficos, que não tem nenhuma utilidade para a trama.

O bom mesmo é ver dois veteranos atores em cena, há muito afastados do cinema, em papéis interessantes, talvez os melhores: Carlo Mossy, antigo rei da pornochanchada, como o pai gente fina de Débora, e Dilma Lóes, como a mãe, que tem as melhores e mais divertidas falas – uma pena que certas atitudes da personagem dela fiquem apenas nas insinuações, como no momento em que ela pede ao genro experimentar a camisa nova.

Aos trancos e barrancos, Cafuné prova que, mesmo com pouco dinheiro e muita criatividade, é possível sim fazer cinema. Vianna está de parabéns por conseguir tirar do papel um projeto com tão poucos recursos, e pode ter um belo futuro pela frente.

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