Um filme inteiramente perfeito, completo, que chegou na hora certa no cinema americano.
Durante o início dos anos 90, o cinema americano enfrentava um péssimo momento, passando por uma escassez de idéias e criatividade poucas vezes vista antes. Apesar de alguns grandes filmes, como O Silêncio dos Inocentes, fazia tempo que algo realmente surpreendente não aparecia nas telas da terra do Tio Sam. E foi um ex-atendente de locadora, viciado em cultura pop, o responsável por mostrar aos cineastas americanos o que eles poderiam fazer, assombrando o mundo com a inventividade de seu filme de estréia. Seu nome era Quentin Tarantino e, o filme, Cães de Aluguel.
O filme conta a história de um grupo de assaltantes que, logo após um trabalho mal sucedido, reencontram-se em um galpão abandonado. Lá eles entram em conflito em função de um clima mútuo de desconfiança, já que surge a idéia que existe um traidor entre eles. Aos poucos conhecemos melhor o que se passou, enquanto a tensão no galpão vai ficando insuportável, à medida que a identidade do traidor não é revelada.
Violento, engraçado, original, ousado, arrebatador, surpreendente, obra-prima. Isso é Cães de Aluguel. O filme de estréia do diretor que, com apenas dois filmes, iria sacudir os alicerces de toda uma indústria bilionária; é uma obra de arte em todos os sentidos. Cães de Aluguel é um exercício sublime da linguagem cinematográfica, um filme inovador que conseguiu arrancar risadas do público em meio a um banho de sangue exagerado e surreal. Originalidade é o nome do meio do gênio que é Quentin Tarantino.
Sou um fã absoluto do cinema de Tarantino e simplesmente adoro todo e qualquer momento de Cães de Aluguel. Cada fala e atitude dos personagens, cada ângulo e quadro concebido pelo diretor, cada movimento de sua câmera, tudo é perfeito nesse filme. A exemplo de diretores como Alfred Hitchcock e Oliver Stone, os filmes de Tarantino têm uma assinatura, um estilo próprio inconfundível. É possível identificar em Cães de Aluguel todas as características que o transformaram no cineasta mais cultuado da década, influenciando inúmeros diretores, como Guy Ricthie e Paul Thomas Anderson.
O ponto forte de Cães de Aluguel é o magnífico roteiro originado da cabeça perturbada (graças a Deus!) de Tarantino. Quando o filme tem início, acompanhamos os assaltantes tendo uma discussão a respeito do significado da música “Like a Virgin” de Madonna. Simplesmente impagável assistir a sete criminosos divagando sobre o que uma diva do mundo pop quis dizer com uma de suas músicas. É essa peculiaridade que torna o cinema de Quentin Tarantino tão irresistível.
E os diálogos disparados pelos personagens em Cães de Aluguel são sensacionais. Seja quando um dos personagens explica porque não distribui gorjetas ou quando um dos homens do grupo reclama do nome que recebeu para o trabalho (Mr. Pink), as falas criadas por Tarantino, mesmo que pouco tenham a ver com a trama principal, são de uma originalidade extrema e realmente ajudam a compreender melhor cada personagem – além de, é claro, serem um prazer de se assistir.
Quanto ao seu trabalho na direção, Tarantino é igualmente inovador e original. O diretor consegue arrancar risadas de situações que jamais esperaríamos achar graça, usando e abusando do humor negro. Você riria de uma cena onde alguém corta a orelha de um policial, jogando, em seguida, gasolina em seu corpo, ameaçando queimá-lo? Se sua resposta é não, assista a Cães de Aluguel e testemunhe a cena de tortura mais engraçada que o Cinema já produziu. Trágica e violenta, mas hilariante.
Essa violência exagerada e estilizada também já se tornou uma marca do diretor. Em Cães de Aluguel não é diferente. Há sangue, sangue e mais sangue. Um dos personagens passa o filme inteiro deitado em uma poça de sangue à beira da morte. Outro, após escapar ileso do assalto, leva um tiro da mulher dona do carro que tentava roubar. E o mais incrível é que Tarantino nos apresenta tudo isso como se fosse a coisa mais natural do mundo, fazendo o público rir do absurdo de tais situações.
Além de tudo isso, Tarantino quebrou de maneira absolutamente brilhante a linha narrativa de sua história, contando a trama de uma maneira não-linear que surpreendeu o mundo. O filme vai e volta no tempo com extrema naturalidade, fazendo o espectador acompanhar, ao mesmo tempo, o que já aconteceu e o que acontece “atualmente” na história. Simplesmente genial.
Como se não bastasse, o diretor cria cenas fortes e inesquecíveis que permanecerão na mente do público por muito tempo (como a morte do policial). Intercalando com habilidade longas tomadas (a cena em que Mr. Blonde vai até o carro pegar gasolina é digna de entrar para as melhores de todos os tempos) e momentos com cortes rápidos, além da excelente trilha sonora, o diretor constrói um filme tão ágil que, quando a produção termina, a vontade que temos é de ver tudo novamente. Assistir a um filme de Tarantino é como ter uma aula de cinema.
As atuações também são igualmente exemplares. Todo o elenco, sem exceção, está perfeito. O veterano Mr. White de Harvey Keitel, o misterioso Mr. Orange de Tim Roth, o falador Mr. Pink de Steve Buscemi, o sádico Mr. Blonde de Michael Madsen são fantásticos. Há ainda uma participação do próprio diretor no papel de Mr. Brown, que é o responsável por uma das melhores falas do filme ao comentar seu nome. É impossível encontrar um ator que se destaque na produção, tanto para o bem quanto para o mal. Comandados pelo diretor, todos criam uma personalidade diferente para seu personagem, atuando sempre nos seus limites, passando a sensação de que pode acontecer qualquer coisa no minuto seguinte.
Realmente, elogios são poucos para tudo aquilo que Cães de Aluguel representa. Com uma rara ousadia, uma visão única e um indiscutível talento, Quentin Tarantino marcou para sempre a história do cinema. E, por incrível que pareça, o diretor ainda conseguiu melhorar o que já era extraordinário em seu trabalho seguinte, o inesquecível Pulp Fiction - Tempo de Violência. Mas essa já é outra história. Quem não conhece sua obra, assista logo a ambos os filmes e seja contagiado pelo modo Tarantino de se fazer cinema. Garanto que, gostando ou não, será uma experiência inigualável.
Excelente crítica.
Parabéns
Sou fã do Tarantino desde sempre!
Sempre fui fã de Harvey Kietel e Steve Buscemi. E esse filme, para Tarantino, é como se fosse o primeiro gol de Pelé: chegou dizendo à que veio!!!!!