Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Organizando memórias, registrando afetos.

7,0
O cineasta chileno Jorge vê em um filme a estátua de Egas Moniz,  um neurologista português laureado com o Nobel por pesquisas em angiologia e difamado e rejeitado pelas pesquisas com lobotomia e passa a empreender uma jornada pelas ruas de Santiago, Brooklyn e Lisboa à procura da tal estátua esquecida pelo tempo, o que o leva a experimentar lembranças de seu pai falando sobre o busto do médico nas ruas de sua terra natal e novas descobertas intrínsecas à própria história do Chile.

O Caçador de Estátuas (El Rastreador de Estatuas, 2015) tem um caráter experimental na sua busca de transformar imagens ordinárias de filmagens de rua e suas reproduções em celulares em um coral memorialístico que passa desapercebido por grande parte da população.  Entre placas roubadas,  bustos desaparecidos,  monolitos pichados escondem-se décadas de histórias esquecidas pela história oficial e mais "relevante".

O diretor Jerónimo Rodriguez, em seu primeiro filme nesse cargo, pratica o gênero de investigação de forma lenta e cuidadosa, onde se contrapõe a efemeridade do tempo cinematográfico com a longevidade da escultura que com o tempo passam a ter sua intenção original ressignificada e,  em quadro,  passa a ter um potencial afetivo para aquele que o filma.

O passado recente, a Copa do Mundo, o golpe militar, o cineasta Raul Ruiz,  música, religião e política são alguns dos ingredientes dentro do mosaico de imagens que Jerónimo organiza que chega a lembrar em certo nível A Hipótese do Quadro Roubado (L'hypothèse du tableau volé, 1979),  filme de Ruiz que dissipava o thriller para nos deixar apenas com o mistério em si, com as impressões fugidias que a narração em off soma à imagem.

Dentro desse fluxo de imagens, o filme é especialmente devoto ao afeto particular e pouco afeito a uma leitura subjetiva da realidade;  é permeado pelas narrativas de conexões frágeis,  é interferido pela própria memória. Não há pessoas especialmente registradas mas antes paisagens com elementos vivos e natureza morta,  muitas vezes enquadrada sendo reproduzida na tela do computador,  com a tentativa de criação de fio condutor sendo a própria jornada obsessiva do filme em si,  que capitula paralelismos da história chilena que nunca se chocam mas em algum nível subconsciente se relacionam.

A imagem em si parece guardar cada vez mais poder para os novos cineastas; seus significados adicionais são um arremedo de uma colcha de retalhos,  com um turbilhão de esvaziamento e preenchimento incansável. A caçada de estátuas de Jorge é basicamente um curioso exemplar de um novo cinema particular que se pratica; longe da encenação,  mas organizando o real ao bel prazer e menos como tentativa de assumir-se olho mecânico e mais como uma impressão sensível, onde a tão procurada encenação está na montagem, que assume uma narrativa que muitos nem encarariam como tal; cinema como avatar de percepção,  memória e afeto.

Comentários (0)

Faça login para comentar.