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Críticas

Cineplayers

Indiferente experiência espiritual.

4,0
Quando se trata do material original de A Cabana, o livro escrito por William P. Young e sucesso absoluto de vendas, há apenas um grande ponto de expectativa e outro de resultado: ou você já cria sua concepção de afastamento da leitura pelo aparente espírito de auto-ajuda indicado pela sinopse ou você se emociona com a história do homem que passa um fim de semana numa cabana com ninguém mais, ninguém menos que Deus.

É claro, ajuda no atual sucesso da adaptação as polêmicas que já cercam o livro desde seu lançamento em relação a representatividade da figura divina naquelas páginas como, como também a aceitação de um público mais fervoroso pelo tema da espiritualidade/religiosidade que fez, por exemplo, obras terrivelmente maniqueístas como Deus Não Está Morto se tornarem uma das produções mais baratas e rentáveis do cinema. Essa resposta positiva certamente deu a carta branca para que literatura de Young, dez anos depois, finalmente ganhasse às telas.

E como alguém que leu a história de Young (apenas para confirmar que sim, aquilo não passa de um mero material de auto-ajuda espiritual), é de se estranhar ainda mais que, partindo de um material que ao menos possuía força suficiente para gerar reações, sua transcrição para o cinema exale tanta indiferença. A história permanece instigante até mesmo para quem não se identifica com nenhuma espiritualidade ou religiosidade, afinal, como ignorar uma obra onde a representação divina está encarnada numa mulher negra (a ganhadora do Oscar Octavia Spencer, que veio ao Brasil para divulgar o filme), um jovem árabe (Aviv Alush, que representa o Filho, ou Jesus) e uma garota asiática (Sumire, o Espírito Santo)? Há toda uma gama de nobres intenções por trás do material, isso é fato, mas diante de toda a verbalização de sentimentos que ocorre ao longo do filme, é lamentável que por si só, a narrativa não sustente sentimento nenhum.

Pelo contrário, o diretor Stuart Hezeldine parece mais empenhado em fabricar estes sentimentos através de artifícios traiçoeiros e nada sutis, que vão desde as pontuais frases formuladas que saem da boca dos personagens a cada segundo (“Você só fala através de enigmas”, chega a zombar o protagonista de Sam Worthington) até a exagerada saturação de cores na fotografia e na direção de arte, que ao tentar vender aquela experiência com alguma positividade diante do trágico conflito do protagonista, apenas cria uma experiência visualmente incômoda, artificial dessaturizada. De bonito, A Cabana não têm nada.

Se há algo para ser louvado (sem trocadilhos), esta é justamente a já comentada representação da Santíssima Trindade, aqui defendida por rostos que parecem compreender a limitação do material e conseguem entregar um pouco mais do que lhes é oferecido. A geralmente caricata Octavia Spencer empresta um quê de fascínio bastante bem-vindo à figura de Deus (ou Papa), com a atriz visivelmente à vontade em sua representação. Aviv Alush detêm os melhores momentos para si como Jesus, por mais que seja obrigado a protagonizar cenas de teor risível ao lado de um inexpressivo Sam Worthington (a corrida na água ou um certo momento no barco são de fazer revirar o estômago de tão mal dirigidas). E com sua ponta, Alice Braga surge apenas para comprovar o quanto é parecida com sua mãe, a também atriz Sônia Braga.

E deixando de lado as alegorias rasas, os conflitos internos que parecem surgir apenas quando é conveniente ao roteiro e o absurdamente extenso clímax, pouco sobra para ser defendido em A Cabana além de suas boas intenções. Não irá ofender ninguém, até porque nem há força para isso aqui, e temos apenas o lamento por uma experiência que a todo momento sugere uma catarse que nunca chega.

Comentários (2)

Gilberto C. Mesquita | sábado, 04 de Abril de 2020 - 21:29

Bom comentário, só uma observação, Alice Braga não é filha da também atriz Sônia Braga, mas sobrinha.

Conde Fouá Anderaos | domingo, 05 de Dezembro de 2021 - 20:41

Fiquei na dúvida se leu o livro ou não. Se leu, foi um pouco cruel com o filme, pois julgo infilmável e impossível obter o mesmo impacto. A maior falha é justamente a diminuição da importância de "Deus" na trama.

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