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Críticas

Cineplayers

Buscando o dispositivo.

6,0
A procura, tipicamente hollywoodiana, por um “novo” dispositivo para a narrativa cinematográfica, trouxe-nos, este ano, ao filme Buscando..., estreia de Aneesh Chaganty na direção de um longa-metragem. O filme dá um passo além do mais usual found footage em direção a um found notebook, no que as cenas se apresentam a partir da tela de computador do personagem David Kim (John Cho) e de sua filha, Margot (Michelle La). Este não é o primeiro filme estadunidense de gênero a tentar essa atualização do dispositivo — o horror Amizade Desfeita experimentou com essa estrutura para adaptar Agatha Christie em 2014 — e está bem longe de qualquer pioneirismo quando consideramos um contexto para fora de Hollywood. Para deixar apenas um exemplo, o curta-metragem de animação Bradley Manning had secrets, de Adam Butcher, utiliza-se do mesmo princípio diegético para reencenar um diálogo online entre Chelsea Manning (então identificada como Bradley Manning) e Adrian Lamom, poucos dias antes de o envolvimento de Manning com o WikiLeaks ser conhecido mundialmente.

A diferença entre Bradley Manning had secrets e Buscando… no uso da tela do computador como cena é que o primeiro nunca se limita à proposta do dispositivo, enquanto o segundo, como a maior parte dos found footages em Hollywood, tem seu roteiro forçado aos mais diversos malabarismos narrativos e a escolhas duvidosas no desenvolvimento dos personagens para reforçar uma estrutura diegética que logo se torna, quando limitada a si mesma, muito frágil.  Do mesmo modo que manter o found footage, a premissa de um arquivo fictício de filmagens como base narrativa de um filme, já não faz sentido quando os diretores do gênero começam a recorrer a saídas de roteiro para montarem cenas em plano/contraplano — o que M. Night Shyamalan faz em seu A Visita (2015) —, o dispositivo de Buscando... já não se sustenta uma vez que o personagem é levado, pelo texto, a instalar câmeras escondidas em sua casa quando a cena exige uma outra dimensão para o desenvolvimento do drama.

Sua proposta diegética, no entanto, não é de todo problemática. Centrado no personagem de Cho, um pai viúvo desesperado por causa do desaparecimento de sua filha adolescente, é muito interessante como o filme é forçado a se voltar para o enquadramento de rostos — expressões de luto, de culpa e de saudade tomam a tela pela maior parte do filme. Há algo de essencialmente melodramático nesse jogo de cena. E é aí que o filme encontra sua maior força. Esses rostos, e os bons atores que os colocam em cena, acessam um lugar de fato bastante específico ao dispositivo escolhido.

Há também uma vinculação moral do dispositivo ao enredo. Com dificuldades de se comunicar com sua filha, o personagem do pai descobre a dimensão da distância entre eles ao buscar o material das redes sociais da garota. Em uma delas, a jovem fazia transmissões em vídeo em que expressava suas ansiedades e sua solidão. O próprio desenvolvimento da investigação incorpora uma consideração ao uso de redes sociais por adolescentes. Por mais que essa não pareça ser uma intenção direta do texto (acredito que até mesmo as soluções do crime atendem mais às convenções do gênero do thriller que a uma iniciativa de alertar os pais e adolescentes entre os espectadores), o peso que o dispositivo tem em cena, com sua presença totalizante sempre ligada a essa dada tragédia familiar, torna inevitável a perspectiva moralizante.

Esses dispositivos criam a possibilidade de um artifício fácil e acessível para produções que procuram se destacar de alguma maneira diante de um esgotamento formal do cinema hollywoodiano. Mas é preciso, ao mesmo tempo, conhecer o dispositivo, assumi-lo e não se limitar a ele. E nada disso é realmente alcançado por Buscando.... Se a reincidência de rostos enquadrados pelo FaceTime encontra os afetos do melodrama, o uso didático de flashbacks (ainda dentro do dispositivo) e as várias articulações problemáticas feitas pela manutenção da diegese abre mão da força do dispositivo nas horas erradas para favorecer a construção de um thriller dos mais banais. No fim das contas, o filme, como a ficção, sempre está no que é encenado. E talvez esse entendimento seja o que falta ao diretores de gênero que optam por uma variação do dispositivo em Hollywood — ou talvez falte-nos, de modo geral, o entendimento de que, enfim, dispositivo se refere a algo bem mais amplo.

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