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Críticas

Cineplayers

O ousado trabalho de lidar com armadilhas.

7,0

Nunca imaginei que algum dia pudesse olhar para Liam Neeson de forma semelhante à que olho para Charles Bronson. Bronson era talentoso, subestimado e terminou por tornar-se um imortal ícone da truculência em plena meia-idade. Neeson não se tornou um ícone (prefiro deixar essa questão para o tempo, já que este trabalha de forma misteriosa), mas os demais adjetivos dados ao Bronson podem ser atribuídos aqui também. No entanto, uma coisa não deixa de martelar a cabeça dos mais adeptos ao clássico cinema-médio: como foi que Oskar Schindler foi se transformar em Bryan Mills? Como foi que aquela elegância, aquele ser engomado conseguiu se vestir como um sanguinário guerrilheiro (sob a pele de “ex-agente do governo”)? Ninguém esperava, mas aconteceu. E ficou muito bonito.

O cinema de ação tem o objetivo de desencadear a adrenalina, mas não apenas; existe em sua fórmula mais usual uma forte carga de sadismo, o prazer em ver o protagonista socando, perfurando e explodindo pessoas. Busca Implacável 3 (Taken 3, 2015) possui essa proposta básica, de despertar a fera dentro do espectador. O que importa para qualquer obra artística é o foco; no caso de bons filmes de ação, não importa muito se a trama é chinfrim (algo que muitos gostam de condenar), pois grande parte desses exemplares se encarregam de trabalhar grandes consequências a partir de um “pequeno” motivo – podemos notar isso em Comando para Matar (Commando, 1985), em que o John Matrix realiza um verdadeiro inferno para resgatar sua filha; em Duro de Matar (Die Hard, 1988), em que o John McClane, um policialzinho qualquer, se vê em confronto com terroristas; etc. O extraordinário é, na maioria das vezes, praticamente uma consequência das atitudes do protagonista, que por algum motivo (vingança, justiça etc) decide sair de sua zona de conforto.

Retomando certas semelhanças entre Charles Bronson e Liam Neeson, é bom dizer que elas ficam em um campo superficial; isso porque, se notarmos bem, Neeson carrega elegância na própria pronúncia de seu nome, e em cada tiro que seu personagem dá. Na prática, são muito diferentes. Bryan Mills é um personagem extraordinário, importante e com muitos inimigos; não é um peixe pequeno que se vê envolvido com a violência urbana. Aliás, o próprio filme em si carrega personagens bem aparentados – temos a ex mulher do Bryan Mills, interpretada pela belíssima Famke Janssen, saindo com o seu carrão; sua mimada filha, que apesar de ser bem crescida ganha um panda de pelúcia de aniversário; etc. Busca Implacável 3, assim como os dois filmes anteriores (todos bons, por sinal), é eficiente por criar esse contraste entre esse mundo de luxúria, de poder, de relações de negócio com o lado selvagem existente em praticamente todos os personagens.

O estilo de direção é parecido com o do filme anterior, com direito àqueles planos relâmpagos e àquele abusivo uso da montagem picotada nas cenas mais absurdas. É visível que essa forma de filmar a ação é comum ao atual cinema de gênero mais truculento, algo também visto em outras obras de outros diretores, como o Stallone fez em Rambo IV (Rambo, 2008) e Os Mercenários (The Expendables, 2010). É um elemento interessante, pois parece sintetizar uma verdadeira característica desses tempos corridos e violentos, mas nem sempre funciona; por vezes o efeito se perde, cai numa armadilha, e o que resta é apenas o caos por si só. Naquela cena da perseguição policial, por exemplo, juro que pensei que, na confusão de planos, tinha visto o rosto de um daqueles russos (sempre eles, os inimigos clássicos do herói americano), os que ameaçam o nosso (anti-) herói.

Busca Implacável 3 confirma uma boa e surpreendente série. Surpreendente porque, além de ninguém ter esperado tamanha qualidade e sucesso, cada uma das obras carrega um forte grau de independência, não se limitando a cair na mera zona de conforto de continuar o que já foi dito. É um filme de ação feito num contexto cultural, com direito ao herói (pai de família americano) contra os vilões russos. Aliás, sinto que desde o primeiro havia essa vontade de discutir mais a fundo essa temática simbólica de certas nações, mas até agora utilizaram isso de forma tímida, o que é uma pena – existe até mesmo uma breve reflexão sobre o falho sistema dos EUA. Nesse terceiro título também há certo descuido para com certos personagens, que aparecem e somem do nada – aquele sujeito que foi baleado e chegou a ser socorrido; não se sabe que fim ele levou. Mas é prazeroso ver como maior parte do que foi feito deu certo no saldo final, com o desfecho evidenciando o quão boa foi a jornada, culminando em melancolia – enquanto o anterior terminava de forma alegre. E, convenhamos, testemunhar bons atores em uma violenta obra de ação é um grande motivo para um sorriso no rosto, gênero que é grande alvo de preconceitos pelo público que gosta de carregar o crachá de “Cult”.

Comentários (10)

Victor Ramos | quinta-feira, 12 de Fevereiro de 2015 - 13:24

Se não me engano ainda não, mas o Neeson revelou interesse em uma sequência.

Caio Henrique | quinta-feira, 12 de Fevereiro de 2015 - 14:27

Eu num sei se é porque eu gostei muito do primeiro(em particular as sequências de ação que são foda) que eu fiquei meio decepcionado com as continuações. Não que as cenas sejam mal feitas. Longe disso. Mas acho a importância, o feeling da cena muito mais intenso no primeiro que nas continuações que me parecem um tanto gratuitas.

Victor Ramos | quinta-feira, 12 de Fevereiro de 2015 - 16:12

Pois é, Carlos, haha Mas nesse caso acho que vale a pena, nós podemos sair ganhando também.

Caio, o que acho interessante é que tem gente que diz que gosta mais do primeiro, bem como existem pessoas que gostam mais do segundo, assim como existem pessoas que gostam mais do terceiro (como pôde ser visto aqui). Isso meio que mostra o efeito de independência da cada longa. São filmes muito sólidos e acho que cada um aderiu um estilo diferente, acho isso muito bacana.

Daniel Borges | quinta-feira, 12 de Fevereiro de 2015 - 19:32

Excelente análise, essa série realmente me surpreendeu, mas ainda não vi este terceiro.

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